sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Por que querem legalizar o aborto?

Atualmente, vêem-se no Brasil e no mundo uma nova onda de manifestações, projetos e outras formas de clamor social reivindicando a legalização do aborto. Um dos argumentos centrais dessa nova onda pró-aborto é que a defesa da vida nascedoura, ou seja, do feto ainda no ventre da mãe, é uma questão de moral e especialmente de moral religiosa. E como a sociedade e o Estado moderno são leigos e seculares, ou seja, não possuem vinculação religiosa, então essa defesa perde quase totalmente o seu poder moral.


O raciocínio do movimento pró-aborto é o seguinte: numa sociedade secular, onde o ser humano não é regido por normas religiosas, o indivíduo poder fazer o que quiser, inclusive matar o(a) próprio(a) filho(a) ainda no ventre da mãe. Aparentemente este raciocínio faz sentido. A moral de fundamento religioso estaria atrapalhando o desenvolvimento do Estado e da sociedade secular. Entretanto, é preciso refazer uma pergunta que já foi realizada diversas vezes, sendo ela: por que querem legalizar o aborto? É preciso realizar esta pergunta por três razões. Primeira, estudos recentes demonstram que a maioria da população mundial é contra o aborto. Segunda, uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, publicada com exclusividade no jornal Folha de São Paulo de 07 de outubro de 2007, constatou que nos últimos anos aumentou de 61% para 71% o número dos brasileiros que acham que a prática do aborto é “muito grave” e que hoje apenas
3% dos brasileiros pensam que o aborto é moralmente aceitável.

Terceira e última razão, de 14 a 18 de novembro de 2007, realizou-se em Brasília, capital do Brasil, a 13ª Conferência Nacional de Saúde, reunindo 4.500 pessoas. Dentre elas, tinham direito a voto 2.275 delegados estaduais e nacionais eleitos em conferências de saúde regionais - 50% deles são usuários do SUS, 25% trabalhadores do sistema e 25% gestores (secretários estaduais e municipais e representantes do Ministério da Saúde). Contrariando as expectativas do próprio Ministério da Saúde brasileiro e dos diversos grupos pró-aborto existentes no país, o resultado foi surpreendente: 70% dos delegados votaram contra a proposta de legalização do aborto no Brasil (POR AMPLÍSSIMA MAIORIA, 2007). Isto é, a maioria absoluta dos representantes do povo dentro do setor saúde é contra a legalização do aborto. Apesar da conferência de saúde ser uma questão nacional e não internacional, ela é um pequeno exemplo de como a opinião pública mundial percebe esse problema.
Oficialmente, a sociedade moderna é democrática. Se os princípios democráticos realmente fossem prevalecer à discussão sobre o aborto estaria concluí a, pois a maioria democrática do mundo e também do Brasil é contrária a essa discussão.

O problema é que o movimento pró-aborto procura desqualificar essa maioria democrática. Para este movimento a maioria da população mundial, incluindo a população brasileira, ainda esta presa a moral religiosa, especialmente a moral cristã que defende a vida em todos os casos. Segundo a ideologia desde movimento fora da moral religiosa não há qualquer argumento contrário ao aborto. E que à medida que a população mundial passar por um processo de secularização da fé religiosa e de adesão ao ateísmo, à aceitação do aborto será automática.

De acordo com essa ideologia, fora da moral religiosa não há um único argumento que possa condenar o aborto. Todavia, será que essa ideologia está correta? Fora da moral religiosa não há argumentos contrários ao aborto?

Para esclarecer essa questão é preciso desenvolver quatro argumentos.

O primeiro é o desenvolvimento econômico. Desde o final da segunda guerra mundial, em 1945, o mundo passa por um processo de crescimento econômico. Este processo foi acelerado a partir da década de 1990. Países pobres como a China (VIEIRA, 2006), que antes amargavam graves índices de pobreza, passaram a ser o motor da nova economia mundial. Até Angola, país pobre da África, que amargou décadas de ditadura socialista-marxista e uma brutal guerra civil, hoje passa por um surto de crescimento econômico. Este país deve crescer economicamente em 2007 aproximadamente 15%. Um recorde para qualquer economia. Fundamentado por Harberler (1976), afirma-se que este crescimento econômico traz em seu seio a necessidade do aumento da população. Pois, com um número maior de bens e serviços sendo produzidos pela sociedade, passa a haver uma necessidade maior de consumidores. Logo, a ideologia pró-aborto não tem fundamento, pois se as mulheres abortarem seus filhos haverá uma redução do consumo e, por conseguinte, uma crise econômica mundial.
Já imaginou países pobres como, por exemplo, China e Angola terem seu crescimento econômico e, por conseguinte, a melhoria dos índices sociais prejudicados pela prática do aborto? Do ponto de vista estritamente econômico o aborto é prejudicial à sociedade.

O segundo argumento é a arrecadação de impostos. Todos sabem que na sociedade moderna o Estado é a organização social responsável em manter a estrutura social (escola, segurança, previdência, lazer e outras) necessária à vida dos indivíduos. Ele realiza e mantém esta organização por meio da arrecadação de impostos. Sem entrar na discussão se o Estado moderno arrecada mais impostos do que deveria, é preciso perceber que essa arrecadação é diretamente proporcional ao número de habitantes de um país. Quando menor a população, menor será a arrecadação de impostos.
Fundamentado em autores como, por exemplo, Lula (2007) e Harberler (1976), afirmasse que se as mulheres abortarem, então haverá uma diminuição na arrecadação de impostos e, por conseguinte, o Estado moderno terá sérias dificuldades para gerenciar a sociedade.
Já imaginou o aumento da criminalidade, da pobreza e outras mazelas sociais porque o Estado não consegue arrecadar impostos devido ao aborto? Do ponto de vista da arrecadação de impostos pelo Estado, o aborto é prejudicial à sociedade.

O terceiro argumento é a democracia. Não é intenção desse ensaio discutir a chamada crise da democracia. Apenas enfatiza-se que a democracia é o grande paradigma político da sociedade moderna. Fundamentado em autores como, por exemplo, Lipson (1966) e Miguel (2001), afirma-se que para a democracia existir é preciso que haja uma massa de eleitores. Os partidos e as demais agremiações políticas estão sempre em busca da maioria de votos, ou seja, de eleitores, que lhes garantam a vitória nas diversas eleições realizadas. O problema é que se as mulheres abortarem o número de eleitores cairá drasticamente e a própria democracia, enquanto paradigma político, estará em perigo.
Já imaginou a democracia que é defendida por diversos segmentos sociais, inclusive pelo movimento pró-aborto, entrando numa séria crise e até correndo risco de desaparecer devido à sucessiva prática do aborto? Do ponto de vista da democracia, aborto é prejudicial à sociedade.

O quarto e último argumento é a era da TV e da mídia. Não é intenção desse ensaio discutir os desdobramentos morais dessa era. Apenas enfatiza-se que a sociedade atual é marcada pela constante presença dos meios de comunicação na vida das pessoas.
Fundamentado em teóricos como, por exemplo, Abrecrombre (1996) e Bogart (1972), afirma-se que um dos objetivos principais da TV e dos demais seguimentos de mídia (jornais, revistas e outros) é a obtenção de constantes e crescentes índices de audiência. É por meio do crescimento da audiência que os seguimentos da mídia podem negociar patrocínios, pagar os impostos e funcionários e auferir lucro. Sem audiência não existe a mídia. O problema é que se as mulheres abortarem o número de espectadores dos diversos programas midiáticos cairá drasticamente e, por conseguinte, a média de audiência também. Com um índice menor de audiência os segmentos da mídia não poderão negociar melhores patrocínios e, com isso, haverá uma diminuição dos investimentos nesta área. A conseqüência é que haverá uma paralisia econômica, desemprego e outros problemas sociais.

Já imaginou uma crise no setor midiático ocasionada pelo aborto? Uma crise que gere desemprego e outros problemas sociais? Do ponto de vista da mídia, o aborto é prejudicial à sociedade.
Então, se existem argumentos não religiosos que contrariam a ideologia do aborto, porque esses argumentos não são difundidos? Por que este movimento ainda encontra amplo apoio na mídia e em setores da classe média? Por que continuar tentando legalizar o aborto?
Respondem-se estas perguntas de forma objetiva por meio de duas questões: uma ideológica e outra econômica.
A questão ideológica é o avanço nos meios midiáticos e da classe média da cultura secular ou neopagã. A ideologia neopagã afirma que grande parte ou todos os problemas do Ocidente são causados pelo cristianismo, por suas convicções morais e todas as ações sociais decorrentes dessas convicções.
O grande teórico da ideologia neopagã é o filósofo alemão Fridrich Nietzsche. Para ele, o cristianismo foi a pior criação do ser humano e está criação conduziu-o a um estado de opressão e medo. Alicerçada pelas idéias de Nietzsche, a ideologia neopagã pretende destruir o cristianismo e toda a cultura que emane dele. Como o cristianismo é uma religião que defende a vida em todas as situações, principalmente a vida em perigo como, por exemplo, a vida do bebê no ventre da mãe, a ideologia neopagã ataca a vida com a contraproposta do aborto.
É preciso lembrar que o aborto é uma prática do velho paganismo gregoromano. Na sociedade grego-romana quando uma criança nascia com alguma deficiência era imediatamente assassinada. Esta prática foi abolida com o advento do cristianismo e da moral da caridade e do perdão pregada por Jesus Cristo. Entretanto, o neopaganismo pretende restabelecer está prática.
O movimento pró-aborto não passa de um subproduto da ideologia neopagã. Por trás da aparente defesa da liberdade e dos direitos humanos, esconde-se um dos atos mais antidemocráticos já perpetrados pelo ser humano. Grande parte da sociedade ocidental é cristã e, como já foi demonstrado por várias pesquisas, à maioria da população não apenas do Ocidente, mas mundial é contra o aborto. O que o movimento pró-aborto pretende, alicerçado pela ideologia neopagã, é de forma antidemocrática, autoritária, ignorar os valores religiosos da população e instaurar uma ditadura ideológica, onde as mulheres que não praticarem o aborto serão discriminadas e poderão até sofrer sanções penais.

A segunda questão é a problemática econômica. No atual modelo social o ser humano é, cada vez mais, incentivado e impulsionado a trabalhar para consumir.
Baudrillard (2007) enfatiza o alto grau de escravidão que o ser humano está submetido, principalmente a escravidão do consumismo. Na sociedade contemporânea existe um constante apelo, na grande maioria realizado pelos aparelhos midiáticos (TVs, jornais, rádios e outros), para que as pessoas sejam magras, bonitas, tenham o corpo perfeito, troquem de carro, de casa e até de cônjuge. Tudo para realimentar a indústria e o consumo. Dworkin (2007) afirma que atualmente o ser humano é submetido a uma “felicidade artificial”, onde as exigências do consumo é que determinam o estado de felicidade. André (2007) demonstra como no atual modelo social o consumo, e as exigências decorrentes dele, constroem a identidade do ser humano. As pessoas são o que consumem.
A conseqüência desse processo é que ter filhos(as) se transformou em uma maldição. Ao invés da gravidez e, por conseguinte, do nascimento de um bebê, ser visto como a manifestação natural da vida, a continuidade da família e da espécie humana e um fator de grande alegria para um casal, é visto de forma contrária. Ou seja, vê-se o nascimento de uma nova vida como um prejuízo: a mulher vai engordar e não terá mais o corpo perfeito exigido pelas atuais normas sociais, o casal terá que gastar dinheiro com a criação do novo ser humano e não poderá investir num carro novo, jóias, roupas e qualquer outra futilidade imposta pela sociedade. Este fato é o que Gauthier (1998) classifica de “sociedade do egoísmo”, isto é, quando o ser humano abandona a dimensão da humanidade, da caridade e vive em função de seus instintos e convicções pessoais. Esse abandono pode chegar ao extremo de se rejeitar o próprio filho.

Além disso, o novo ser humano, o bebê, exige muito tempo por parte dos pais. Eles terão que levar o bebê ao médico, para passear, para a escola e todas as demais atividades que são atribuídas aos pais. A decorrência disso é que os pais não terão tempo para se dedicar às outras atividades que a sociedade neopagã e do consumo considera essencial como, por exemplo, fazer turismo, ir para bares e boates, ir para as academias de ginástica e fazer cirurgias plásticas.
Por tudo o que foi exposto, conclui-se que assim como não há argumentos religiosos para fundamentar o aborto, também fora desses argumentos, ou seja, numa possível moral extra-religiosa, não é possível fundamentar ou explicar a proposta da legalização do aborto. Por trás dessa proposta o que realmente existe é a ideologia neopagã e o egoísmo do homem moderno que abdica de ter filhos para poder desfrutar de uma vida, muitas vezes, fútil e presa a um consumo alienante.

Referências

ABRECROMBIE, Nicholas. Television and society. Polity Press: Cambridge, 1996.
ANDRÉ, Maristela Guimarães. Consumo e identidade. São Paulo: FGV, 2007. AUMENTOU O NÚMERO DE PESSOAS QUE ACHAM O ABORTO MUITO GRAVE. IN: Folha de São Paulo, 07 de outubro de 2007.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo. Lisboa: Edições 70, 2007.
BOGART, L. The age of television. New York: Frederick Unger, 1972.
DWORKIN, Ronald W. Felicidade artificial. São Paulo: Planeta, 2007.
GAUTHIER, David. Egoísmo, moralidad y sociedad. Madri: Paidos, 1998.
HARBERLER, G. Crescimento econômico e estabilidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1976.
LIPSON, Leslie. A civilização democrática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966.
LULA, Edla. Crescimento econômico explica arrecadação recorde em outubro, diz coordenador da receita. Disponível em www.agenciabrasil.gov.br. Acessado em 24/11/2007. POR AMPLÍSSIMA MAIORIA: REJEITADA A PROPOSTA DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO. Disponível em http://blogdafamiliacatolica.blogspot.com/. Acessado em 08/12/2007.
VIEIRA, Flávio Vilela. China: crescimento econômico de longo prazo. IN: Revista de 10 Economia Política, vol. 26, n 23, São Paulo, jul/set 2006.
* fragmento da obra Aborto: discursos filosóficos / Ivanaldo Santos. - João Pessoa: Idéia, 2008. Disponível em www.providafamilia.org.br%2Fsite%2F_arquivos%2F2008%2F370__aborto_-_discursos_filosoficos.pdf.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Origem e formação da Bíblia

1. Indícios e evidências históricas

O período histórico da formação da Bíblia situa-se entre 1100 a. C. ou 1200 a. C. a 100 d. C. Provavelmente, a mais antiga parte escrita da Bíblia é o Cântico de Débora, que se encontra no livro dos Juízes (Jz, 5).
Quando os hebreus chegaram a Canaã, já havia na terra um certo desenvolvimento literário, como por exemplo, o alfabeto fenício (do qual se derivou o hebraico), que já existia no século XIV a. C. Os judeus chegaram lá por volta do século XIII a.C. Outro documento desta época é o calendário de Gezér, que data mais ou menos do ano 1000 a.C. É uma indicação de datas para uso dos agricultores. É o documento mais antigo encontrado na Palestina. Outro documento também muito antigo é o sarcófago do Rei Airam, que contém uma inscrição e foi encontrado nos séculos XIV ou XV a. C., em Biblos. Há ainda umas tabuletas encontradas em Ugarit (em 1929), onde estão escritos uns poemas semelhantes aos salmos, datando dos séculos XIV ou XV a. C.
Além destes, há outros documentos provando que já havia uma escrita na Palestina, antes dos hebreus chegarem lá. A inscrição do túmulo de Siloé (700 a. C.), explicando como foi feito; os "óstracon", de Samaria, onde há uma espécie de carta diplomática, são documentos que provam a continuidade de uma atividade literária. Em Juizes 8,14, o autor descreve um acontecimento ocorrido mais ou menos em 1100 a.C. E em que língua foi escrito este fato pela primeira vez, na época em que aconteceu? Provavelmente no
alfabeto fenício (pré-hebraico).

2. A tradição oral e a tradição escrita

A parte mais antiga da Bíblia remonta justamente deste tempo (1100 a.C.), quando a escrita ainda não estava bem definida, e é oral. Desde este tempo já se fora criando uma tradição, que existia oralmente e era transmitida aos novos pelos mais velhos nas reuniões que havia nos santuários. Por este tempo, só eram relatados os acontecimentos do deserto, do Sinai, da aliança de Deus com o povo. Mas os jovens queriam saber o que havia acontecido antes disto. Então foram sendo compostas as histórias dos Patriarcas. Mas, e antes deles, antes de Abraão? Passaram à história da criação do mundo. Por isso, se afirma que a parte mais antiga da Bíblia é o Cântico de Débora, no livro dos Juizes. A partir daí, fez-se um retrospecto didático-histórico.
Como dissemos, estas histórias iam sendo passadas oralmente de pai a filho, nos santuários. Acontece que nem todos iam para os mesmos santuários, o que motivou a existência de pequenas diferenças na catequese do norte e na do sul. A tradição do sul foi chamada de JAVISTA (J), pois Deus era tratado sempre por Javé; a do norte se chamou ELOISTA (E), porque Deus era tratado como Eloi.
A tradição oral existiu até os tempos de Daví, quando foi escrita a tradição javista; meio século depois, foi escrita também a eloista. Por volta de 721 a.C., na época, da divisão dos reinos, quando Samaria foi destruída pelos assírios, muitos sacerdotes do norte fugiram para o sul e levaram consigo a sua tradição. A partir de então, as duas foram compiladas num só escrito.
Falamos das duas tradições: uma do norte e outra do sul. Mas não existiam apenas estas duas, que são as principais. Há ainda a DEUTERONOMICA (D), encontrada casualmente em 622 a. C. por pedreiros, que trabalhavam num templo. Corresponde ao livro Deuteronômio da Bíblia atual. Após esta, surgiu a SACERDOTAL (P), nova compilação das catequeses antigas de Israel, datada do século VI a.C. Ao fim, estas quatro tradições foram combinadas entre si e compiladas em 5 volumes, dando origem ao Pentateuco da Bíblia atual. Na tradição Javista, Deus é antropomórfico. Na Sacerdotal, Deus é poderoso, está acima do tempo, o que significa um progresso no conceito de Deus que o povo tinha. A redação do Pentateuco se deu pelo ano 398 a.C. e compreendia a primeira parte da Bíblia judaica.
A partir de Josué, a tradição continuou oral, para ser escrita somente por volta de 550 a.C. E foram escritas do modo como o povo contava. Por isso não se pode dar a mesma importância histórica aos fatos descritos nestes livros em relação a outros posteriores, pois alguns fatos narrados foram baseados na tradição popular, enquanto que outros foram baseados em documentos de arquivos (anais do Reino). Este é um grande desafio para os estudiosos e também uma fonte de divergências.

3. Os Intérpretes - Profetas e Sábios

Durante muito tempo, os profetas foram os orientadores do povo de Deus. Os livros proféticos resumem os seus ensinamentos, e na sua maioria foram escritos só mais tarde, por seus seguidores. Somente por volta do ano 200 a.C. é que foram redigidos os livros proféticos. Os livros Sapienciais foram o resultado de um estilo literário que esteve em moda durante muito tempo, na época posterior ao exílio. São umas reflexões humanistico-religiosas. Passados os profetas, surgiram os sábios que raciocinavam sobre as coisas da natureza, tirando delas ensinamentos para a vida. Foram acrescentados aos livros sagrados nos últimos séculos a.C., sendo os mais recentes livros do AT.

4. A nova tradição da era cristã

O NT não foi escrito com a finalidade de ser acrescentado à Bíblia. No tempo de Cristo e dos Apóstolos, o livro sagrado era apenas o AT. O próprio Jesus Cristo se baseava nele em suas pregações. E Ele mandou apenas pregar, e não escrever. Foi quando uma nova tradição oral foi se formando. E após a morte de Cristo, os apóstolos saíram pregando.
Mas veio a necessidade de congregar outras pessoas para o anúncio, em vista do grande número de comunidades existentes. Então, começaram a escrever. Mais tarde, com a aceitação também de cidadãos estrangeiros nas comunidades, a mensagem precisou ser traduzida e adaptada. Além disso, o próprio povo necessitava de uma escrita (doutrina escrita) para se conservar una, após a morte dos Apóstolos. Esta redação, no início, era apenas de alguns escritos esparsos, que só depois de algum tempo foram juntos em livros. Exemplo disso está em Mc 2, uma série de disputas de JC com os Judeus, onde se vê claramente que foi recolhida de escritos separados. Também em João se lê: "Muitas outras coisas Jesus fez que não foram escritas..." (Jo 21,24) Isto significa que só foram escritas aquelas mensagens que teriam utilidade, conforme as necessidades momentâneas.
O evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, data dos anos 60 ou 70 d.C.; os de Lucas e Mateus, são de 70 ou 80, o que significa que somente após uns 40 anos da morte de JC sua palavra começou a ser escrita. 0 Evangelho de João só foi escrito em torno do ano 100 d.C. Antigamente, se acreditava ser Mateus o autor do primeiro Evangelho. Mas a critica histórica mostra que o de Marcos foi anterior. Aliás, a respeito deste evangelho de Mateus, não se sabe ao certo quem é o seu autor. Foi atribuído a Mateus, apenas por uma tradição e também por uma praxe da época de se atribuir um escrito a alguém mais conhecido e famoso, para que a obra tivesse mais autoridade.

5. Entendendo algumas dificuldades concretas

Durante o tempo anterior á escrita dos Evangelhos, havia apenas a pregação dos Apóstolos, recordando os fatos da vida de Cristo, todavia eram fatos esparsos, sem nenhuma preocupação com seqüência ou unidade. Por isso os Evangelhos, que foram esta pregação escrita, se contradizem em algumas datas, o que mostra a pouca importância dada à cronologia. Os fatos eram recordados e aplicados, conforme as necessidades. Assim, até entre os Evangelhos sinóticos, que seguiram a mesma fonte, há diversificações. Por exemplo, no Sermão da Montanha, em Lucas fala "bem aventurados os pobres"; e em Mateus, "bem aventurados os pobres de espírito". A diferença consiste no seguinte: Lucas deu um sentido social, mais importante para as comunidades gregas, para as quais escrevia. Mas o de Mateus destinava-se às comunidades judias e queria combater uma doutrina dos judeus que tinham uma idéia falsa de pobreza. Para eles, o próprio fato de a pessoa ser pobre, já lhe garantia a salvação, enquanto outra pessoa, pelo simples fato de ser rica, já estava condenada. Por causa disso ele escreveu "pobres de espírito".
Outro ponto de discordância é o caso da cura de um cego. Mateus diz "um cego, na saída de Jericó"; e Lucas "dois cegos, na entrada de Jericó". 0 fato da 'entrada' e 'saída' pode ser explicado pela existência de duas cidades chamadas Jericó. 0 fato de serem um ou mais cegos explica-se pelo seguinte: era comum naquele tempo os cegos formarem grupos em torno de um cego-lider; e o nome deste geralmente era o do grupo. No entanto, estes detalhes pouco importam ao evangelho. 0 seu interesse é a apresentação da mensagem (evangélion = boa nova).

6. A fonte comum

Os Evangelistas sinóticos se basearam no Evangelho de Marcos e noutra fonte, convencionada por fonte "Q", simbolizando os inúmeros escritos esparsos de que já tratamos. Espalharam cópias destes por outras partes do mundo. Lucas, Mateus, cada um em lugares diferentes, se inspiraram nos escritos disponíveis e inclusive no evangelho de Marcos, que na época já havia sido escrito. O fato do primeiro Evangelho ser atribuído anteriormente a Mateus se deve a uma afirmação de Eusébio de que Mateus escrevera a "logia" do Senhor em aramaico. Mas a crítica histórica provou que o Evangelho que conhecemos não traz apenas a "logia" do Senhor e não foi escrito em aramaico, e sim em grego. Portanto a noticia de Eusébio se refere a outro escrito, e não a este evangelho. Nada impede, porém, que tenha sido escrito por discípulos de Mateus e atribuído ao Mestre. Aliás, a respeito de "Evangelho", o primeiro a usar esta palavra para indicar as memórias dos Apóstolos foi S. Justino, em 130 d.C.

7. As Cartas

As cartas de Paulo foram enviadas para serem lidas em público. Em I Tes 5, 27 há uma alusão a isto. Havia também o intercâmbio das cartas, como se lê em Col 4,16: "mostrem esta carta para Laodicéia e tragam a de lá para vocês". Aos poucos as cartas foram colecionadas, e no fim do I século já se tem notícia delas, quando em II Ped 3,15 se lê: "...nosso irmão Paulo vos escreveu conforme o dom que lhe foi dado... " As cartas de Paulo foram os primeiros escritos do NT. Não se sabe quando os Evangelhos e elas foram acoplados, mas já no fim do I século estavam reunidos num só livro.
As Epistolas Católicas (universais) são chamadas assim por se destinarem à Igreja em geral, e não a tal ou qual comunidade, como fizera Paulo. Elas também se originaram da necessidade pastoral, e já no começo do II século estavam incorporadas aos outros escritos do NT. Os Atos dos Apóstolos podem ser considerados a continuação do terceiro Evangelho, pois também foi escrito por Lucas. E o Apocalipse de S.João, livro profético, foi acrescentado por último.
Nos escritos do NT, freqüentemente se encontram citações do AT. É que muitas vezes os Apóstolos queriam tirar dúvidas sobre certas passagens, que tinham falsa interpretação. Nas assembléias, eram lidos escritos do AT e do NT, para explicá-los. Exemplo disto temos em I Tes 4,15; I Cor 7,10.25.40; At 15, 28; I Tim 5,18; Lc 10,7.

8. O Cânon Sagrado

No século IV, a Igreja se reuniu em Concilio em Nicéia, e uma das tarefas era organizar o "cânon", ou a lista de livros sagrados considerados autênticos. Neste Concilio, os livros foram estudados e se investigou quais os que sempre foram lidos nos cultos e sempre foram considerados legítimos. E se estabeleceu a ordem ainda hoje conservada. O motivo pelo qual alguns livros foram postos em dúvida era a grande quantidade de livros apócrifos, que fazia com que se duvidasse dos verdadeiros. Havia muitos livros que os judeus não aceitavam. Então os Ss. Padres ponderaram os prós e contras e definiram a lista que foi aprovada.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PARECER JURÍDICO DO PLC 122/2006 pelo Dr. Paulo Fernando Melo da Costa - Melo Advogados Associados - Brasília - DF

Parecer jurídico do PLC 122/2006

Parecer do Dr. Paulo Fernando Melo da Costa, que participou da audiência sobre o PLC 122/2006, projeto de lei que dá aos homossexuais super direitos e proíbe toda e qualquer manifestação contra o homossexualismo, inclusive citações da Bíblia.

Procurarei ser pontual aos tópicos do PL 122/2006, manifestando apenas o aspecto jurídico, sem nenhum juízo de valor. Na primeira análise do referido PL, farei um histórico de sua tramitação na Câmara dos Deputados.

A história do projeto

1- O Projeto de Lei 5001/01 de autoria da Dep. Iara Bernardi PT/SP apresentado em 7/8/2001, sendo designado relator o Dep. Bispo Rodrigues que devolveu sem manifestação em 18/12/2002, a matéria foi arquivada em fevereiro de 2003. Desarquivado no início da legislatura foi designado relator o Dep.Bonifácio de Andrada que devolveu sem manifestação em 24/03/2004. Depois designado novo relator o Dep. Aloysio Nunes Pereira que também devolveu sem manifestação. Em 17/03/05, foi designado o relator Deputado Luciano Zica que apresentou o parecer em nome da CCJC com substitutivo. Foram apensados o PL 5/2003 da própria Iara Bernardi, o PL 381/2003 do Dep. Maurício Rabelo, PL 3143/2004 da Dep. Laura Carneiro, o PL 3770/2004 do Dep. Eduardo Valverde e o PL 4243/04 do Dep. Edson Duarte.

2- Por incrível que pareça não foram apresentadas emendas ao substitutivo, e a matéria foi aprovada sem maiores ressalvas na CCJC.

3- Estranho ressaltar que no despacho inicial do então Presidente da Câmara dos Deputados Dep. Aécio Neves, não enviou projeto para a Comissão de Direitos Humanos como prevê o art. 32, XVI do Regimento Interno prejudicando a discussão do mérito, diferente do que faz agora o Senado. O PL iniciou já com flagrante desrespeito regimental.

4- Em 20/04/2006 foi apresentado requerimento do líder do PFL Dep. Rodrigo Maia pedindo regime de urgência à matéria, que só foi apreciado 7 meses depois em Novembro de 2006, em plena quinta-feira, dia que normalmente não há votações de projetos polêmicos, e a matéria foi aprovada sem discussão e votação simbólica, sem nenhuma emenda de plenário nem destaques, sob protesto solitário do Dep. Pedro Ribeiro Ao chegar ao Senado, o projeto recebeu o número PLC 122/2006 e, no dia 07/02/2007, foi encaminhado ao gabinete da Senadora Fátima Cleide (PT/RO), designada como relatora na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Na segunda audiência pública aqui no Senado apresentei 16 considerações sobre o texto do PL 122/2006 que foram entregues a Senadora Fátima Cleide.

2- FERIMENTO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:

O PLC 122/2006, se convertido em lei, conforme compromisso da Presidência da República, acarretará uma convulsão social sem precedentes em nosso país.

Vejamos:

A proposta pretende punir com 2 a 5 anos de reclusão aquele que ousar proibir ou impedir a prática pública de um ato obsceno (“manifestação de afetividade”) (art. 7°), fato já previsto aos heterossexuais no Código Penal com penas menores.
Na mesma pena incorrerá a dona-de-casa que dispensar a babá que cuida de suas crianças após descobrir que ela é lésbica (art. 4°).
A conduta de um sacerdote que, em uma homilia, tratar do assunto condenando poderá ser enquadrada no artigo 8°, (“ação [...] constrangedora [...] de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”).
A punição para o reitor de um seminário que não admitir o ingresso de um aluno é prevista pena para 3 a 5 anos de reclusão (art. 5°).
No entanto, as conseqüências acima não são o principal motivo pelo qual o PLC 122/2006 deve ser rejeitado. O cerne da questão não está nas perseguições que hão de vir caso a proposta seja convertida em lei.

O motivo central pelo qual esse projeto deve ser totalmente rejeitado é pela flagrante inconstitucionalida de e injuridicidade e má técnica legislativa conforme descreveremos:

A prática do homossexualismo não acrescenta direitos a ninguém. Se um homossexual praticante tem algum direito, conserva-o apesar de ser homossexual, e não por ser homossexual. O toxicônomo, o bêbado e a prostituta têm direitos como pessoas, mas não por causa da toxicomania, embriaguez ou prostituição. Mas pelo simples fatos de serem pessoas!!

2.1 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O texto, ao invés de mitigar preconceitos e discriminações (que seria o seu objetivo), contraditoriamente, labora em sentido diametralmente oposto. Uma vez retirado de seu texto o direito à não preterição (o que se traduz em igualdade), mas incriminando quem discorde de comportamentos que a franca maioria da sociedade brasileira não aceita, cria o preconceito de certa superioridade, de acordo com a linguagem utilizada, de alguns “gêneros” e discrimina essa mesma maioria ou quem adverse com esses modelos de conduta e pensamento. Não apenas fomenta, mas, efetivamente, erige uma classe, por assim dizer, de iguais, mais iguais que os demais (a franca maioria da população). Uma classe de brasileiros, mais brasileiros que a maioria dos demais brasileiros, além da perniciosa idéia de que a minoria, traduzidos em certos “gêneros”, está e é mais certos que os outros, porquanto não admita qualquer tipo de contraste, pasmem-se, “de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”, ferindo o princípio da isonomia e de outras garantias constitucionais fundamentais, eis que o projeto de lei em discussão não admite a persidade de pensamento e, nem no foro mais íntimo, de crença. A polícia, tanto ideológica, quanto à repressiva, serve, segundo o texto do projeto de lei, particularmente para a moral, a ética, a filosofia e a psicologia.
A essa altura, cabe inquirir: o que se pretende com a inclusão da não discriminação quanto à orientação sexual, na Lei n.º7.716/89, que disciplina o preconceito de raça ou de cor ao invés de regulá-la em diploma autônomo, tal a proposição original? Equiparação da condição ou orientação sexual à raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional? Coroar os chamados crimes de homofobia de imprescritibilidade e inafiançabilidade, reservadas aos crimes de discriminação racial, chega a ser data vênia uma aberração jurídica a ser contestada por qualquer acadêmico de Direito.
A orientação sexual de um inpíduo não quadra no conceito de raça, nem tampouco de cor, etnia, religião ou procedência nacional, a menos que se queira, por força de lei, impingi-las como tais à população brasileira. A condição homossexual não é raça, nem tampouco a bissexual é etnia ou o travestimo é religião.
Impede, de qualquer forma, deixar bem esclarecido que a orientação sexual quer heterossexual, quer de “gênero”, não forma preconceito, mas conceito, porque diz respeito a comportamento. Coisa persa é o preconceito, que não tem uma justificativa racional, independentemente de qualquer juízo de valor. Assim é o chamado preconceito de raça ou de cor: reputar alguém inábil ou incapaz para exercitar tal ou qual atividade, exclusivamente, em função de sua origem étnica ou da cor da sua pele.
Equívoca, portanto, e absolutamente inadequada à inserção da matéria contra a discriminação da orientação sexual, na Lei n.º7.716/89, definidora dos crimes de preconceito de raça ou de cor, uma vez que de preconceito não se trata, mas de conceito formado de comportamentos, não cabendo aqui dizer se certos ou errados.

2.2 PRINCIPIO DA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL

A Carta Política no art.5 º, XXXIX, reclama a clareza e objetividade dos tipos penais. Ao revés estar-se-ia dando margem à discricionariedade, por intermédio do uso de conceitos indeterminados e elásticos nos textos legais geram leis vazias, simbólicas, que tão-somente se destinam a colocar em cena a diligência na luta contra certas formas de criminalidade.

2.3 PRINCÍPIO DA ISONOMIA:

O que direciona a governabilidade do povo brasileiro é a isonomia, ou seja, todos são governados pela mesma lei, sendo todos iguais perante ela, assegurado como princípio constitucional. Os direitos que devem ser garantidos aos “gêneros” são aqueles mesmos que devem ser garantidos a todas as pessoas; e não, criar super direitos para tal ou qual grupo de pessoas, tornando-a imune a críticas.
A inconstitucionalida de do PLC 122/2006 é patente e manifesta, pois nele estão inseridos artigos (8º A e 8º B) que, na realidade, procuram conferir aos chamados “gêneros” maiores direitos e melhores condições de tratamento do que aqueles dispensados ao povo brasileiro de um modo geral, conforme determinam os princípios constitucionais.

2.3 LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

É livre a manifestação de pensamento (art. 5º, IV CF), inviolável a liberdade de consciência (art. 5º, VI CF), do mesmo modo que são invioláveis a intimidade, a honra, a imagem e a vida privada das pessoas (art. 5º, X CF).
O Artigo 8° do PLC 122/06, que altera o art. 20 da Lei 7716/89, pela redação aprovada, é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de orientação sexual e identidade de gênero. O disposto no art. 20 engloba a prática de qualquer tipo de ação capaz de produzir algum constrangimento de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica. Com tal legislação o Brasil estaria instituindo o chamado delito de opinião, o que é inadmissível. É a face mais horrenda do totalitarismo: o Estado decretando uma suposta “verdade absoluta" – e qualquer proibição ou oposição a esse corolário de “verdade” (é passível de prisão), nada importando que a oposição seja de cunho moral, ético, filosófico ou religioso.

2.4 LIBERDADE DE LIVRE EXPRESSÃO DO PENSAMENTO

Ao pretender a livre expressão e manifestação de afetividade em geral em locais públicos ou privados abertos ao público, o projeto em tela está contrariando a Constituição Federal e os mais elementares princípios de moralidade e de pudor público, que são bens jurídicos protegidos e tutelados pela lei.
O sujeito ativo desta ação pode ser qualquer pessoa, independente do sexo, enquanto que o sujeito passivo é a coletividade. A ação tipificada é praticar ato obsceno, isto é, ato que ofenda o pudor público, objetivamente, considerando- se o sentimento comum vigente no meio social.
Referido projeto de lei viola frontalmente os princípios de liberdade de pensamento e a liberdade religiosa previstos na Constituição Federal.
Imaginem os Senhores, terem que aceitar, por exemplo, a demonstração de afetividade homossexual, que se apresente exagerada até mesmo para os padrões heterossexuais, dentro de uma Igreja, de um hospital, de um metrô, praças e vias públicas por onde circulam nossas famílias, especialmente crianças e adolescentes.

2.5 PRINCÍPIO DA ISONOMIA:

O que direciona a governabilidade do povo brasileiro é a isonomia, ou seja, todos são governados pela mesma lei, sendo todos iguais perante ela, assegurada como princípio constitucional. Os direitos que devem ser garantidos aos “gêneros” são aqueles mesmos que devem ser garantidos a todas as pessoas; e não, criar super direitos para tal ou qual grupo de pessoas, tornando-a imune a críticas.
A inconstitucionalida de do PLC 122/2006 é patente e manifesta, pois nele estão inseridos artigos (8º A e 8º B) que, na realidade, procuram conferir aos chamados “gêneros” maiores direitos e melhores condições de tratamento do que aqueles dispensados ao povo brasileiro de um modo geral, conforme determinam os princípios constitucionais.

2.6 PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE DA PENA

O impedimento de ingresso de uma pessoa determinada em certo estabelecimento, em razão da discriminação, levará à suspensão de suas atividades e vedação a benefícios tributários, o que resultará em prejuízos para o restante da coletividade, que também será penalizada pela paralisação das atividades empresariais, mormente se se tratarem de serviços públicos, como pretende a parágrafo 2º do dispositivo do projeto de lei. Os empregados correm risco de perder seus empregos, consumidores deixarão de ter à disposição determinado produto ou serviço e o próprio mercado, que poderá ser atingido o caráter concorrencial, violando outrossim o PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE INICIATIVA, previsto texto constitucional, que visa resguardar o livre funcionamento dos mercados.

2.7 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO

Um Direito Penal Democrático como ensina Prof.Fernando Paulo Capez, Curso de Direito Penal, Vol. 1, não pode conceber uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do que benefício à coletividade.
Desse modo, fogem ao bom senso os efeitos anexos da condenação previstos nos incisos IV, V e principalmente do parágrafo 2º, do art. 8º, que tratam da extinção do contrato de concessão e permissão de serviço público, o que violaria o princípio da continuidade do serviço público, mesmo em existindo o instrumento da ocupação, dado o ônus que terá de ser suportado pela Administração Pública, em face de uma conduta pontual, contra a qual se afigura suficiente a aplicação de sanção privativa de liberdade.

2.8 DIREITO À EDUCAÇÃO DOS FILHOS

O art. 227, da Constituição Federal, assegura à criança e ao adolescente o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A propósito prescreve o Art. 1634 incisos I e VII do Código Civil Brasileiro in verbis:
Artigo 1634 – Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação;
............ ......... ......... ......... ......... ......... .....
VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição....
Uma vez concedida a “liberdade” pretendida pelo PLC 122/06, fica a pergunta – De que forma os pais poderão cumprir o que lhes é determinado pela Legislação Vigente?
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a doutrina da proteção integral, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes, decorrentes da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989, e assinada pelo Governo Brasileiro em 26.01.1990, cujo texto foi aprovado pelo Decreto Legislativo n.º28, de 14.09.1990 e promulgado pelo Decreto Presidencial n.º 99.710, de 21.11.1990, de acordo com o que dispõe os artigos 227 a 229.
Este diploma legal prescreve em seus artigos 5º, 17 e 18:

Artigo 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Artigo 17 – O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Artigo 18 – É dever de todos velar pela dignidade da criança ou adolescente, PONDO-OS A SALVO de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, VEXATÓRIO OU CONSTRANGEDOR.
Como se vê, a obrigatoriedade de por a salvo as crianças e adolescentes de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor, entre outros, está estampada na Lei e em nossa Carta Magna, que não podem e não devem ser contrariadas com a abertura de precedentes a uma classe de pessoas, que, sob o escudo da palavra “preconceito”, pretende na realidade é que seus hábitos, tidos como excepcionais à vida normal, sejam pacificamente aceitos por uma sociedade norteada pelos bons costumes. Na verdade, o que querem com este projeto, que é em todos os seus termos uma aberração legislativa, é a evidência e obtenção de privilégios, sobrepondo a dignidade, deveres e direitos da sociedade brasileira.

2.9 DIREITO DE PROPRIEDADE

Não menos inconveniente é a pretensão contida no Artigo 7º-A, neste, onde também quer impor pena de prisão àquele a quem é garantido o direito de propriedade, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal. O proprietário de um imóvel ser obrigado a locá-lo, tendo em vista exclusivamente a orientação sexual da pessoa que se apresenta como interessada na locação, ainda que em detrimento de comezinhas normas comerciais (renda, garantia, cadastro, etc.).

Dispõe o Artigo 1228, § 2º, do Código Civil Brasileiro:

Artigo 1228 – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º........... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... .....

§ 2ºSão defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

Artigo 2035..Parágrafo Único – Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

2.10 LIBERDADE DE RELIGIÃO

Alexandre de Moraes, douto constitucionalista, em sua obra Direito Constitucional, 17ª edição. O seguinte, literis:

“A conquista constitucional da liberdade religiosa é verdadeira consagração de maturidade de um povo, pois, como salientado por Themístocles Brandão Cavalcanti, é ela verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação....... O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar s fé representa o desrespeito à persidade democrática de idéias, filosofias e a própria persidade espiritual”
A ONU na célebre Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim dispôs:
Art. 18 “Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
As manifestações relativas à religiosidade atuam não somente com relação ao pensamento, mas também quanto à liberdade de culto e pulgação de suas idéias, comportamento social e administração.
A Constituição assevera a liberdade de consciência e de crença bem como a proteção aos locais de culto e liturgias, considerado o rito, doutrina e os dogmas. A propósito da entrada em vigor do Código Civil, o texto discute a proibição de estabelecer normas que tenham como conteúdo restrição ou supressão a direitos constitucionalmente estabelecidos e a realidade do ordenamento jurídico no Brasil, no que se refere ao direito à liberdade religiosa.
O texto do projeto avilta em alguns artigos a liberdade de expressão de presbíteros em proclamar aquilo que crêem e professam.

Art.5 º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
[...]

VI –é inviolável a liberdade de consciência e de crença,sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida ,na forma da lei,a proteção aos locais de culto e as suas liturgias ; [...].

3 - DA MÁ TÉCNICA LEGISLATIVA

A ementa do PL trata da definição dos crimes em caso de discriminação. Percebemos, no texto do projeto, que, em vários artigos, não há a manifestação clara da conduta penal, na Lei Complementar nº95 de 1988, que dispõe sobre a boa técnica legislativa define, claramente, que o primeiro artigo da lei deve conter de maneira inequívoca, o rol de crimes e as sanções previstas, oferecendo sua significação, fixando condutas, tornando conhecido o que diz o texto.

No art. 2º falta o conceito de definição do tipo penal, já no art. 4º não elenca se o agente agirá por ação ou omissão, ou falta esclarecer em que circunstâncias e hipóteses ocorrerão à proibição da ação no 8º- B.
A multa preceituada no inciso V, de 10 mil UFIR é equivocada já que ela foi extinta em decorrência do §3º do Art. 29 da Medida Provisória 2095-76, portanto deve o texto referir-se a unidade atual de valor.
No art. 20 parágrafo segundo in fine, há uma sofrível redação, já que a expressão Brasil refere-se ao espaço geográfico. O melhor é a República Federativa do Brasil, que é o nome oficial do Estado brasileiro.

4 - FERIMENTO DE INJURIDICIDADE NOS ASPECTOS PENAIS

Do ponto de vista estritamente penal, o PL 122/06 que tipifica como crime algumas condutas tidas como discriminatórias, destaca-se pela grande generalidade na tipificação das normas penais.
Vale destacar a utilização de termos vagos e ambíguos, para definir os persos tipos penais previstos já na ementa do Projeto e no seu art. 1º, por exemplo, prevê que “Esta Lei altera a Lei (...) definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” –.
Mas o que exatamente significa isso? Para os militantes da causa são conceitos amplamente conhecidos, mas no Direito Penal, aprende-se que a norma penal não pode se valer de termos vagos, ambíguos ou imprecisos, uma vez que a conduta prevista na norma deve se encaixar como uma luva na conduta praticada pelo agente e o bem juridicamente protegido deve ser reconhecido, sob pena de se estabelecer a opressão do cidadão frente aos interesses do Estado ou de seus agentes. Sendo assim, como é que se pode incriminar alguém por preconceito de “gênero” ou crime contra a “identidade de gênero” se o juiz ou tribunal não sabe exatamente o que isso significa? Isso pode gerar inúmeras interpretações, dificultando a própria aplicação da lei, o que fará uma pessoa ser enquadrada no tipo penal em razão de uma simples interpretação subjetiva de quem acusa ou julga, o que é absolutamente inadmissível no direito penal. O próprio policial, ao abordar um suspeito homossexual, pode ter sua atitude interpretada como discriminatória. Vão dizer: “isso é preconceito de gênero, pois, o policial só abordou o cidadão porque ele é homossexual”. Tudo isso, porque não há uma definição legal do que possa ser “gênero”” ou “identidade de gênero”.
O Professor Damásio de Jesus páginas 478 e 479 Livro de Direito Penal, lembra com muita prudência o fato que motivou o legislador a inovar na modalidade delituosa da injúria, pois chamar alguém de “japinha”; “baianão”, “libanesinho”, desde que com animus injuriandi referente à raça, cor etnia, religião ou origem, sujeita o agente à pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. Portanto, crimes que são mais graves como aborto art. 124 tem pena mais branda. Então, vejamos o disparate da projeto de lei, se alguém ofender um homossexual a pena será de 2 a 5 anos de reclusão , se mata-lo culposamente detenção de 1 a 3 anos sendo afiançável.Outro dado comparativo, se alguém der um tapa numa lésbica lesão corporal simples 3 meses a 1 ano ou multa se xingá-la 1 a 3 anos ou multa.

5- DA DESPROPORCIONALIDAD E DAS PENAS

O Direito Penal zela pela luta em favor do bem geral, deve ser parcimonioso, adequado e sempre de bom senso, tendo como base o princípio da intervenção mínima e da proporcionalidade. Em relação às penas cominadas aos tipos penais, estas se mostram excessivas .Outro ponto crucial do PL é a absoluta desproporcionalidade no tocante às penas. Imaginemos que um homicídio culposo pode acarretar pena máxima de 03 anos ao agente. No caso de uma lesão corporal dolosa, ou seja, com a inequívoca vontade de agredir, o criminoso pode pegar de 03 três meses a 1 ano de prisão. Contudo, se o mencionado PL for aprovado, a simples manifestação pública de discordância com o homossexualismo, ainda que de forma puramente filosófica ou científica, pode ensejar pena de 02 a 05 anos e multa! Ou seja, por exemplo, aplicar uma surra no homossexual à pena é menor do que simplesmente dizer que não concorda com o homossexualismo.
Há um excesso na aplicação de penas secundárias. Não bastasse ser preso por simplesmente manifestar uma opinião contrária ao homossexualismo, o cidadão pode ter sua atividade empresarial fechada por até 3 meses, ter o crédito negado, ser impedido de participar de concorrência pública, sofrer imposição de multa ou mesmo ser exonerado de função pública que exerce (art. 8º). Tudo isso por exercer um direito constitucionalmente assegurado, que é o da livre manifestação do pensamento!
Por fim, deve-se lembrar que o Direito penal é a “ultima ratio” vale dizer, só deve ser chamado a agir quando estiver em risco bens jurídicos de altíssima relevância e cuja proteção não possa ser garantida por outros ramos do direito. No caso em tela, a honra, a dignidade, a integridade e a liberdade sexual dos homossexuais já são plenamente tuteladas, e a violação aos seus direitos já acarretam conseqüências ao infrator, sendo eficazmente reprimida por sanções administrativas ou civis. Assim, a sanção penal é desnecessária e, por isso, abusiva. Nota-se que o que se pretende com o chamado projeto de lei da homofobia não é garantir direitos, mas sim dar aos homossexuais mais direitos do que já têm. É certo que os homossexuais devem ter sua dignidade e seus direitos respeitados, não em razão de sua orientação sexual, mas por serem cidadãos; e isso já é garantido pela lei. Mas o PL 122/06 transforma os homossexuais em uma classe de privilegiados, sendo o Direito Penal seu instrumento de opressão, o que é inadmissível face ao principio da isonomia previsto na Constituição Federal.
Outro tópico é a chamada “demonstração de afeto”, (Art. 8º), pois o termo, assim como foi formulado, poderia abranger uma variedade de comportamentos que vão do menos ao mais obsceno.
Dito isso, um tipo de comportamento “obsceno” em lugar público, poderia ofender qualquer pessoa, seja que se trate de um ato “homossexual” ou “heterossexual” . “Nem os heterossexuais possuem direito irrestrito de demonstrar afeto em público” (KRAUSE, Paul Medeiros. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n.1269, 22 dez.2006).
A “redação do artigo 4-A ‘ Praticar o empregador ou seu preposto ato de dispensa direta ou indireta”, falta à explicação e a definição do tipo penal: por ação ou por omissão? “Deve ser feita a ressalva de que ,por justa causa, pode ser dispensado do emprego a qualquer momento, senão criaremos uma nova figura jurídica da ‘vitaliciedade trabalhista por conduta sexual”. Constato que a penalidade aplicada foge às regras da dosiometria penal, por exemplo, a pena de infanticídio, que é de 2 a 6 anos de reclusão ou , ainda , o crime de redução análoga a trabalho escravo, cuja a pena é de 2 a 8 anos, creio que a pena sugerida mínima também de 2 anos afronta o princípio da razoabilidade e o de proporcionalidade, lembrando que, em nenhum momento, é utilizada a expressão “injustamente” ou “sem justa causa”.
No art. 16, I, que trata dos efeitos da condenação, está colocada de maneira genérica, no Regime Jurídico dos Servidores, na Lei 8112/90, no art. 132, elencam-se os casos de pena de demissão: improbidade administrativa, aplicação irregular do dinheiro público, dilapidação do patrimônio público e corrupção. Já, no art. 117, prevê-se o recebimento de propina, de presentes ou de vantagens (casos plenamente graves e repugnantes) , Equipá-los-á aos crimes de discriminação não é muito sensato. A lei prevê advertência , suspensão temporária e, como pena mais grave, a demissão. Por analogia, o mesmo deve ser aplicado aqui . Além disso, tal pena não será aplicada ao empregado privado e não estará discriminando o servidor público com penas tão altas?

No Art. 16, VI: suspender a atividade laboral de uma empresa por três meses é estender a pena à sua família e aos seus dependentes. Um cidadão, dono de um pequeno negócio num açougue, por exemplo, sua família será condenada também pelo fechamento do estabelecimento? Passarão por privações por isso?
No artigo 20-A, III parece-nos que falta a legitimidade, para agir e a capacidade postulatória de entidades, para ajuizarem ações penais ou administrativas. O mais razoável seria o representante do parquet, como fiscal da lei, fazê-lo, em analogia aos casos com crianças, com adolescentes e com os portadores de necessidades especiais.
O artigo 20, parágrafo 5º, como foi observado pelo ínclito jurista Célio Borja, ex-Ministro do STF e Presidente da Câmara dos Deputados, em artigo publicado em 15 de março, mostrou que os juízos morais, os filosóficos ou os psicológicos já não podem ser externados, embora, contrariando frontalmente o escopo constitucional, temos, então, o impedimento dos pais de educarem seus filhos, de acordo com o que entendem ser o comportamento mais adequado e, socialmente, próprio. Diz o renomado jurista que o texto do substitutivo “para os fins de interpretação e aplicação da lei, serão observados, sempre que forem mais benéficas, em favor da luta anti-discriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil. Ora, nenhuma lei pode incitar ou compelir pessoas a se engajarem em qualquer tipo de luta, a não ser a guerra externa e declarada”. Ocorre , então, um conflito, pois as normas de Direito interno e internacional são reguladas pela Constituição, não sendo objeto de lei ordinária. Outro aspecto é a ressalva de que muitos tratados internacionais cabem adendos quando da sua aprovação do decreto legislativo pelo Congresso, o que não foi citado no texto.
Um dos argumentos mais usados para defender a criação de leis contra a “homofobia” é a questão dos homossexuais assassinados. Ninguém é a favor de assassinatos e todos são a favor de leis para impedir assassinatos.
Em outro projeto de lei poderia ser alterado diretamente o art. 129 (lesão corporal) e o art. 121 (homicídio) do Código Penal, para incluir neles a motivação em razão de orientação sexual.
Desse modo, não se pode conceber que crimes que teoricamente seriam de maior gravidade, a exemplo do homicídio culposo, do aborto (art. 124), do infanticídio, da lesão corporal, o legislador tenha cominado penas mais brandas. Admitir-se a aprovação da norma da maneira como está enfocada, seria entender proporcional, a título demonstrativo, que uma pessoa que simplesmente impeça a entrada de um homossexual em um restaurante receba pena mais severa do que uma pessoa que lhe bata na cara. Ou, ainda, quem vier a matar culposamente um homossexual teria pena mais branda do que aquele que impedisse um gesto de carinho entre homossexuais em local público.
O PLC considera que MATAR UM SER HUMANO, inclusive homossexual, merece pena mais branda que discriminá-lo? Isto é muito sério! A discriminação apontada neste PLC é mais séria do que o homicídio?
Segundo Dr. Miguel Guskow ex-Subprocurador Geral da República comenta que o PL 122 viola os princípios de liberdade de iniciativa, e faz referência ao autor Fernando Capez: “Um Direito Penal Democrático não pode conceber uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do que benefício à coletividade”.
Enfim, o Dr. Miguel Guskow conclui que o legislador do PLC 122/2006 cometeu o equívoco do malferimento dos princípios da legalidade penal no aspecto Lex certa e da proporcionalidade.
O Art. 4 º, por sua vez, trata da vedação à dispensa direta ou indireta, em função da discriminação, o que, se não corrigido, pode ensejar contradições na interpretação da norma, criando a figura da estabilidade e vitaliciedade em virtude orientação sexual. A única hipótese em que poderia considerar-se haver o dolo específico do empregador na demissão do empregado, em face do preconceito, seria a dispensa direta sem justa causa. A justa causa condiz sempre com uma hipótese de demissão terminante, já autorizada por lei.
No direito trabalhista a liberdade de contratação de uma empresa não empregar uma pessoa que vivencia a homossexualidade, por exemplo, pode ser acusada de não fazê-lo devido a sua orientação sexual. Demitir alguém que esteja homossexual também pode ser enquadrado sob a mesma alegação. Isto poderá levar pessoas a se passarem por homossexuais para conseguirem a vitaliciedade nos empregos.
Com a aprovação deste PLC, professores, colegas de trabalho poderão ser prejudicados e os servidores públicos poderão perder os seus empregos.

6 - DO PARECER:

Pelo exposto, e por tudo o mais do que foi relatado nosso parecer é pela inconstitucionalidade, injuridicidade e má técnica legislativa, sem análise do mérito.

Dr. Paulo Fernando Melo da Costa
Melo Advogados Associados

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Como os primeiros cristãos celebravam o culto a Deus?

Missa católica ou culto protestante?

Que culto os cristãos devem prestar a Deus, é uma questão presente em algumas discussões religiosas promovidas por círculos cristãos diversos. Com o crescimento das seitas no Brasil, desde o fim da década passada podemos verificar a soberba de muitos não-catolicos em afirmar que o culto ou liturgia que eles prestam a Deus são verdadeiros e solidamente legítimos, pois identificam-se com o culto que os primeiros cristãos tributavam a Deus, sendo seu culto bíblico; seria verdadeiro este argumento? Acusam que a Missa católica é invenção humana e não se trata de um culto a Deus, mais uma simples reunião social, cujo Deus não ouve ou aceita, sem base bíblica mais um sacrifício paganizado; verdade estas afirmações?
Vamos analisar a historicidade litúrgica do culto oferecido pela Igreja, que tipo de culto e ritos os cristãos prestavam a Deus na antiguidade, sabemos que os primeiros cristãos seguiram a doutrina ensinada pelos apóstolos e mais tarde guarnecida pelos Padres da Igreja, o próprio mandamento do Senhor diz como lembra Paulo: "Fazei isto em memória de mim. Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a minha morte, e confessareis a minha ressurreição" (1 Cor 11,26) . Lembra também Jesus no Evangelho de João “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do
Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos” Jo 6, 53.

Os cristãos primitivos então viviam:

Na comunhão do pão e na oração perseveravam os primeiros cristãos convertidos após a Ressurreição de Cristo, como atestado na Igreja primitiva (At 2, 42), celebrando os santos mistérios sacramentais, e no inicio do II séc.  usando a disciplina do Arcano¹, onde os mistérios cristãos eram celebrados secretamente para que não se paganizassem e se mantivessem no seio da Igreja, vivos, os gentios não participavam, os que podiam gozar de tais mistérios os “sacramentos” eram os já catequizados e batizados e não os catecúmenos. No serviço litúrgico (At 13, 2); reunidos na casa de membros da comunidade ou em lugares ocultos (como catacumbas), devido à perseguição, nos tempos primitivos muitos apóstolos ministraram a “liturgia”, ou seja, o oficio ou serviço de adoração a Deus, em suas casas edificações que ficaram conhecidas como Domus Eclesiae que mais tarde virá a se tornar Domus Dei edifícios só para o culto cristão.
Celebravam no primeiro dia depois do sábado (o Domingo, segundo São João, Ap. 1, 10), quando S. Paulo diz para partir o pão (At. 20,7), os cristãos cultuavam a Deus mais frequentemente. Faziam à leitura dos profetas, das epístolas dos apóstolos, das cartas que dirigiam às igrejas. Estas leituras eram explicadas, conforme S. João, que, conduzido a Éfeso, limitou-se a esta exortação: "Meus filhos, amai-vos uns aos outros". Desta prática de explicar o que era lido no Texto Sagrado, deriva a realização das homilias e sermões.

Vejamos os primeiros registros sobre a liturgia o que dizem os Pais Apostólicos da Igreja

S. Justino Mártir, (103-167) filósofo pagão que se convertera , tornando-se sacerdote e mártir, contemporâneo de Simeão (que havia ouvido Nosso Senhor Jesus Cristo), de S. Inácio, de Clemente, companheiro de S. Paulo na pregação, de Potino e de Irineu, discípulos de Policarpo em sua obra Apologia 2, escreve: "No chamado dia do Sol todos os fiéis das vilas e do campo se reúnem num mesmo lugar: em todas as oblações que fazemos, bendizemos e louvamos o Criador de todas as coisas, por Jesus Cristo, seu Filho, e pelo Espírito Santo" e sobre a reunião dos primeiros cristãos para culto ele descreve.
"Lêem-se os escritos dos profetas e os comentários dos apóstolos. Concluídas as leituras, o sacerdote faz um discurso em que instrui e exorta o povo a imitar tão belos exemplos". "Em seguida, nos erguemos, recitamos várias orações, e oferecemos pão, vinho e água".
"O sacerdote pronuncia claramente várias orações e ações de graças, que são acompanhadas pelo povo, com a aclamação Amem!". "Distribui-se os dons oferecidos, comunga-se desta oferenda, sobre a qual pronunciara-se a ação de graças, e os diáconos levam esta comunhão aos ausentes".
"Os que possuem bens e riquezas dão uma esmola, conforme sua vontade, que é coletada e levada ao sacerdote que, com ela, socorre órfãos, viúvas, prisioneiros e forasteiros, pois ele é o encarregado de aliviar todas as necessidades".
"Celebramos nossas reuniões no dia do Sol, porque ele é o primeiro dia da criação em que Deus separou a luz das trevas, e em que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos".

Outro atestado é de;

S. Inácio de Antioquia, (†110) terceiro bispo de Antioquia, sucessor de S. Pedro e de Evódio, contemporâneo dos apóstolos quando muito jovem, que declarou ter visto Nosso Senhor ressuscitado; Conheceu pessoalmente São Paulo e São João. Sob o imperador Trajano, foi preso e conduzido a Roma onde morreu nos dentes dos leões no Coliseu. A caminho de Roma escreveu Cartas as igrejas de Éfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia, Esmirna e ao bispo S. Policarpo de Esmirna. Apresenta alguns detalhes sobre a oblação da Eucaristia, na sua primeira carta aos cristãos de Esmirna. E nesta aparece pela primeira vez a expressão “Igreja Católica”.
“Abstêm-se eles da Eucaristia e da oração, por que não reconhecem que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, carne que padeceu por nos­sos pecados e que o Pai, em Sua bondade, ressuscitou.” (Epístola aos Esmirnenses: Cap. VII; Santo Inácio de Antioquia).
S. Ireneu de Lião, (130-202) eminente teólogo ocidental, confirma-nos o sacrifício que era prestado pelos primeiros cristãos figurado no sacrifício de Cristo, em outra obra ele ressalta a importância e a transubstanciação na Eucaristia.
“(Nosso Senhor) nos ensinou também que há um novo sacrifício da Nova Aliança, sacrifício que a Igreja recebeu dos Apóstolos, e que se oferece em todos os lugares da terra ao Deus que se nos dá em alimento como primícia dos favores que Ele nos concede no Novo Testamento. Já o havia prefigurado Malaquias ao dizer: Porque desde o nascer do sol, (...) (Malaquias, I, 11). O que equivale dizer com toda clareza que o povo primeiramente eleito (os judeus) não havia mais de oferecer sacrifícios, senão que em todo lugar se ofereceria um sacrifício puro e que seu nome seria glorificado entre as nações." (Adversus haereses, São Ireneu de Lion).

Outro Registro é o:

Didaqué um catecismo cristão que fora escrito por volta do ano 120 d.C. um dos mais antigos registros do cristianismo, fala nos do culto cristão e da celebração dos primeiros crentes após transcrever regras a respeito da celebração da eucaristia; diz:
“Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães". (Didaqué, Cap. IX, Nº 5)
Também diz sobre a reunião dos crentes;
“Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro” (Didaqué, Cap. XIV, nº 1)
O que tem em comum estes testemunhos do fim do I séc. e inicio do II século, comprovam a liturgia católica como herdeira, da liturgia dos primeiros cristãos oferecidas em suas reuniões, mais tarde no séc. III conhecidas pelo termo Missa, que Procede do latim “mitere”, que quer dizer "enviar, mandar, despedir". Missa é o particípio que adquira o sentido de substantivo; "missão, despedida, dispensa,” é, pois a despedida na partida. Podemos observar que eles perseveravam na comunhão e na celebração eucarística então onde ficam os cultos protestantes? Os gritos, os longos sermões, e as musicas e estilos exagerados e sentimentais, além dos pseudo-exorcismos e das tidas manifestações do “Espírito”? Se não tem embasamento histórico, bíblico ou nas reuniões dos primeiros cristãos? Trata-se de invenções humanas posteriores a antiguidade cristã.

Notas:

Disciplina do Arcano¹: Disciplina do Segredo, ou Lei do Arcano, é o termo teológico para expressar o costume que prevaleceu na Igreja primitiva, na qual o conhecimento dos mistérios da religião cristã era, por medida de prudência, cuidadosamente mantido oculto aos gentios, aos não-iniciados e até mesmo aos que se submetiam à instrução na fé, para evitar que aprendessem algo que pudessem fazer mau uso, o costume pendurou-se até o séc. VI.

domingo, 6 de novembro de 2011

A Interpretação da Bíblia

Muitos escritores não levam em conta o sentido original, o gênero literário e a intenção dos autores sagrados; interpréta-os como se fossem textos modernos, que podem ser entendidos segundo as categorias de pensamento do homem de hoje. Os autores parecem mesmo desconfiar da exegese dita "científica".

Eis, porém, que é regra de sadia exegese procurar, antes do mais, o significado preciso do texto original; é necessário entender o texto como o autor sagrado o entendia e daí depreender a mensagem que ele queria transmitir. A inspiração do texto bíblico por parte do Espírito Santo não equivale a ditado mecânico; supõe sempre as categorias de pensamento do escritor oriental, antigo. Estas, portanto, têm que ser, primeiramente, detectadas e reconhecidas para que se possa compreender genuinamente a página bíblica. Este procedimento exegético tem sido enfaticamente recomendado pela Igreja desde Pio XII (encíclica Divino Afflante Spiritu, 1943) até o Concílio do Vaticano lI, que em sua Constituição Dei Verbum ditou as normas seguintes: "Já que Deus falou na Sagrada Escritura através de homens e de modo humano, deve o intérprete da Sagrada Escritura, para bem entender o que Deus nos quis transmitir, investigar atentamente o que os hagiógrafos de fato quiseram dar a entender e aprouve a Deus manifestar por suas palavras".

Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, devem-se levar em conta, entre outras coisas, também os gêneros literários Pois a verdade é apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos históricos, proféticos ou poéticos ou nos demais gêneros de expressão. Ora é preciso que o Intérprete pesquise o sentido que, em determinadas circunstâncias, o hagiógrafo, conforme a situação de seu tempo e de sua cultura, quis exprimir e exprimiu por meio dos gêneros literários então em uso. Pois, para entender devidamente aquilo que o autor sagrado quis afirmar por escrito é necessário levarem conta sejam aquelas usuais maneiras nativas de sentir, de dizer e de narrar que eram vigentes nos tempos do hagiógrafo, sejam as que em tal época se costumavam empregar nas relações dos homens entre si".

Verdade é que muitos dos exegetas científicos desde o fim do século XVIII têm cedido ao racionalismo, a ponto de esvaziarem por completo o texto bíblico. É o que vem provocando a réplica do chamado "Fundamentalismo" que se apega à letra do texto como ele soa em suas versões vernáculas e se fecha aos estudos de lingüística, arqueologia, história antiga... Ora o Fundamentalismo é posição extremada, errônea, como o racionalismo, pois ignora o mistério da condescendência divina, que assume as modalidades da linguagem e da cultura dos homens antigos para falar à humanidade. Assim se lê num documento da Pontifícia Comissão Bíblica intitulado "A Interpretação da Bíblia na Igreja" e datado de 15/4/1993: "O problema de base da leitura fundamentalista é que, recusando levar em consideração o caráter histórico da revelação bíblica, ela se toma incapaz de aceitar plenamente a verdade da própria Encarnação. O Fundamentalismo foge da estreita relação do divino e do humano no relacionamento com Deus Ele se recusa a admitir que a Palavra de Deus inspirada foi expressa em linguagem humana e que ela foi redigida, sob a inspiração divina, por autores humanos cujas capacidades e recursos eram limitados. Por esta razão, ele tende a tratar o texto bíblico como se ele tivesse sido ditado, palavra por palavra, pelo Espírito e não chega a reconhecer que apalavra de Deus foi formulada numa linguagem e numa fraseologia condicionadas por uma ou outra época. Ele não dá atenção ás formas literárias e às maneiras humanas de pensar presentes nos textos bíblicos, muitos dos quais são fruto de uma elaboração que se estendeu por longos períodos de tempo e leva a marca de situações históricas muito diversas.

O Fundamentalismo insiste também de maneira indevida sobre a inerrância dos pormenores nos textos bíblicos, especialmente em matéria de história ou de pretensas verdades científicas. Muitas vezes ele toma histórico aquilo que não tinha a pretensão de historicidade, pois ele considera como histórico tudo aquilo que é narrado ou contado com os verbos em tempo pretérito, sem a necessária atenção à possibilidade de um sentido simbólico ou figurativo". Por conseguinte, nem racionalismo nem fundamentalismo... Mas é necessário que o exegeta proceda sempre em duas etapas:

- procure, mediante os recursos da lingüística, da arqueologia, da história antiga... definir claramente o sentido do texto original ou aquilo que o autor humano queria dizer;

- a seguir, coloque esses resultados no conjunto das proposições da fé. A Sagrada Escritura é um longo discurso de Deus, homogêneo, que tem suas linhas centrais e seus acordes, que devem projetar luz sobre cada secção desse discurso. É o que São Paulo chamava "a analogia da fé ou a proporção da fé" (Rm 12,6). Esta fé é vivida e proclamada pela Igreja, cujo magistério recebeu de Cristo a garantia da autenticidade (cf. Jo 14, 26; 16,13-15).

Assim o estudioso católico chega ao entendimento exato do texto sagrado. Não incute suas idéias ao texto (o que seria fazer in-egese), mas deduz do texto a mensagem objetiva (faz ex-egese). Quem assim não procede, corre o risco do subjetivismo ou de interpretações pessoais, semelhantes às que ocorrem no protestantismo.

As Revelações Particulares

Nenhuma revelação particular é endossada oficialmente pela Igreja. Esta não pode colocar no mesmo plano a revelação feita por Jesus Cristo e pelos autores bíblicos e qualquer revelação ocorrida em caráter particular após a era dos Apóstolos. A revelação oficial e pública termina com a geração dos Apóstolos; cf. Lumen Gentium n°- 25; Dei Verbum nº 4. Em conseqüência torna-se difícil crer que Deus queira continuar e explicitar a revelação outrora feita pelas Escrituras servindo-se de revelações não oficiais ou fazendo destas o complemento daquelas.

As revelações particulares, quando genuínas, geralmente corroboram o Evangelho, incutindo duas notas importantes: oração e penitência. Assim em La Salette, em Lourdes, em Fátima... Qualquer outra predição, principalmente se é muito minuciosa, torna-se suspeita. É não raro a satisfação que os "videntes" dão à sua própria curiosidade de saber o decurso do futuro; imaginam-no como se fosse revelado por Deus. Independentemente dessas minúcias, ficará sempre válida a exortação à conversão e à oração, tão recomendada pelo Evangelho e corroborada pelos sinais dos tempos atuais; estes pedem que os cristãos muito especialmente sejam o sal da terra, a luz do mundo (cf. Mt 5,13s), o fermento na massa (cf. Mt 13,33). A consideração dos nossos tempos, portanto, deve levar ao afervoramento da vida dos cristãos, abstração feita de predições sinistras.



domingo, 23 de outubro de 2011

Religião e Sexo

O homem honesto que diz que deseja que o cristianismo seja meramente prático e não teórico ou teológico, raramente consegue explicar o que ele exatamente quer dizer. Essa é a razão de haver tanta repetição simplesmente verbal no que ele diz. Geralmente, os pobres teóricos e teólogos têm de explicá-lo o que ele quer dizer. De qualquer forma, ele quer dizer algo mais ou menos assim. Um número muito grande de pessoas saudáveis e bondosas é, hoje, oportunista. Todos acreditamos que devemos cortar nosso casaco de acordo com o tecido que temos, no sentido de que ninguém pode fabricar um casaco sem tecido. Mas se o costureiro me diz que todo o tecido em estoque é amarelo-mustarda brilhante, decorado com caveiras escarlates, terei de adiar o quanto puder o uso desse tecido para meu novo casaco, podendo até constranger-me, e ao costureiro, sugerindo-lhe procurar outro tipo de tecido.

Contudo, há um tipo de homem que usará prontamente o casaco amarelo pela simples existência do casaco amarelo. Ele é um oportunista num sentido diferente do meu. Há uma diferença entre um cliente que consegue o que quer, tanto quanto lhe seja possível e aquele que consegue o que não quer porque isso lhe é possível.

Em outras palavras, há uma diferença entre conseguir o que se quer, sob certas condições e permitir que as condições lhe digam o que você pode conseguir, ou mesmo o que você quer. No entanto, é possível passar pela vida sendo controlado pelas circunstâncias dessa forma. Se minha quadra de tênis for inundada, posso, claro, transformá-la num lago ornamental. Ou posso me dar o trabalho de drenar o campo e protegê-lo contra inundações, permanecendo fiel ao ideal abstrato e dogmático de uma quadra de grama. Se uma árvore cai sobre minha casa e faz um buraco no teto, posso transformar o buraco numa clarabóia e a árvore numa saída de emergência. Mas se eu não quiser uma clarabóia e uma saída de emergência, estou sendo manipulado pela árvore. E isso é uma posição indigna para um homem.

É a posição indigna da maioria dos homens modernos. Eles são oportunistas, não só no sentido de conseguirem o que querem da forma mais prática, mas de tentarem querer a coisa mais prática; isto é, meramente a coisa mais fácil. Essa é a razão de eles não entenderem a base do idealismo cristão em muitas questões e especialmente na questão do sexo. Eles estão sempre sendo desviados pelas inundações e árvores caídas, especialmente aquela árvore do conhecimento que é o símbolo da queda e que certamente fez um buraco na casa, no sentido do lar. Mas a questão aqui é que essas pessoas constroem um novo plano ou propósito sexual depois de cada eventual novo acontecimento. Quando há mais mulheres do que homens, eles começam a falar sobre poligamia. Quando há mais crianças do que é conveniente para os indivíduos criarem com um salário decente, eles começam a falar de alguns truques que são um tipo de substituto para o infanticídio.

Ninguém pode entender a teoria do sexo cristã sem entender a idéia do homem ter um plano que ele deseja impor sobre as circunstâncias, ao invés de esperar pelas circunstâncias para então ver que plano ele vai ter. O cristão deseja criar as condições para que o casamento cristão seja possível e digno em si; não aceitar qualquer coisa possível nas mais indignas condições. Porque ele o quer e o que ele realmente é, consideraremos num momento; mas é necessário tornar claro de início que o casamento cristão não é algo que nos é sugerido pelas condições sociais do nosso entorno; é algo que nos é sugerido por Deus, pela nossa consciência comum e pelo sentido de honra da humanidade em geral. E isso é o que nosso pobre amigo quer dizer quando diz que nós não somos práticos; ele quer dizer que nós não estamos sempre consertando nossa casa e alterando nosso jardim para acolher em seu interior uma árvore caída ou uma tromba d’água.

Ele quer dizer que temos um plano para nossa casa e jardim e que estamos sempre tentando restaurá-los e reconstruí-los de acordo com o plano. Não propomos rasgar o plano original e seguir uma seqüência de acidentes; até que a casa seja enterrada sob árvores caídas e os campos sejam inundados e todo o trabalho do homem seja levado pela enxurrada. Isso é o que ele entende por nossa impraticabilidade, e ele está certo.

Descrito em termos humanos, o plano é substancialmente este. Que o amor que faz a juventude bela, e é a fonte natural de tanta canção e romance, tem por objetivo final um ato de criação, a fundação da família. Ao mesmo tempo em que é um ato criativo, como o de um artista, é também um ato coletivo, como o de uma pequena comunidade. É, talvez, o único trabalho artístico em que a colaboração é um sucesso e mesmo uma necessidade. É preciso de dois para começar uma briga, especialmente uma briga de amantes. Precisa-se também de dois para estabelecer um acordo de amantes segundo o qual seu amor deve ser colocado acima da briga. Mas, por definição, o acordo dos dois não é simplesmente concernente aos dois; mas, num sentido terrível, a outros. A fundação de uma família, como todo ato criativo, é uma responsabilidade tremenda. Em outras palavras, a fundação de uma família significa a alimentação de uma família, o treinamento, o ensinamento e a proteção de uma família. É o trabalho de uma vida inteira, e muitos casamentos têm uma vida muito curta. Sua continuidade é garantida, não por “leis matrimoniais” que nossas modernas plutocracias podem criar ao seu bel-prazer, mas por um voto voluntário ou invocação a Deus feita pelas duas partes, que eles vão se ajudar nesse trabalho até a morte. Para aqueles que acreditam em Deus e também acreditam no significado das palavras, isso é final e irrevogável.

Esse ato criativo é em si um ato livre. Esse ato criativo, como todos os atos criativos, não envolve uma perda de liberdade. O homem que constrói uma casa não recupera aquele castelo que ele construiu e reconstruiu no ar quando ele estava planejando a casa. Nesse sentido, podemos dizer, se quisermos, que o homem que constrói uma casa, constrói uma prisão. Há algo de final em todo grande trabalho, mas é possível sentir nesse trabalho um tipo peculiar de finalidade. A paixão de um homem em sua juventude encontrou seu caminho verdadeiro e alcançou seu objetivo e, apesar do amor não precisar acabar, a busca por ele terminou.

Pelo teste desse objetivo e consecução, todas as coisas condenadas pela ética cristã se encaixa em seus vários níveis de erro. Prolongar a busca de uma forma sentimental, muito depois de ela ter qualquer relação com o trabalho real do homem é um erro em vários níveis; quase sempre isso não é mais que ridículo e indigno; turpe senilis amor. Permitir que a busca perambule de forma a destruir outros lares saudavelmente estabelecidos é, por essa definição, obviamente errado. Cultivar uma perversão mental que realmente remova o desejo por um ato frutífero é horrivelmente errado. Comprar um prazer estéril de uma classe estéril é errado. Manobrar cientificamente de forma a furtar o prazer sem assumir a responsabilidade pelo ato, é lógica e inerentemente errado. É como andar por aí com uma medalha sem ter ido à guerra.

Nós acreditamos, sem uma sombra de dúvida e hesitação, que onde as condições se aproximam desse ideal, a humanidade é mais feliz. Assim, o nascimento da paixão é usado com um menor grau de destruição. Assim, a morte da Paixão é aceita com um menor grau de desilusão. Um trabalho construtivo da idade adulta segue naturalmente o trabalho criativo da juventude; à paixão é dada uma extraordinária oportunidade de se perpetuar como afeição, e a vida do homem é tornada plena. Há nela tragédias, como há igualmente tragédias fora dela. Não podemos livrar a vida de tragédias sem livrá-la da liberdade. Não podemos controlar a atitude emocional dos outros nem numa condição de anarquia sexual, nem nas condições de lealdade doméstica. O amor é realmente excessivamente livre para os propósitos dos amantes livres. Mas onde os homens são treinados pela tradição a considerar esse processo normal, e a não esperar por nada diferente, há muito menos probabilidade de trágicos relacionamentos do que no amor chamado livre. Se observamos a literatura real do amor irresponsável, encontraremos um contínuo e dolorido lamento sobre falsas amantes e torturantes casos amorosos.

Em resumo, nós não acreditamos, de forma alguma, na grande felicidade prometida à humanidade pela dissolução de lealdades de uma vida toda; não sentimos o menor respeito pela retórica sentimental e grosseira com que isso nos é recomendado. Mas o resultado prático de nossa convicção e de nossa confiança é este: que quando as pessoas nos dizem – “Seu sistema não é muito inadequado para o mundo moderno,” respondemos – “Se isso é verdade, as coisas parecem bem podres no pobre e antigo mundo moderno.” Quando eles dizem – “Seu ideal de casamento pode ser um ideal, mas não pode ser uma realidade, ” dizemos – “é um ideal numa sociedade doente, é uma realidade numa sociedade saudável. Pois, onde ele é real, ele faz a sociedade saudável.” Não dizemos perfeitamente saudável, pois acreditamos em outras coisas além do casamento; como, por exemplo, na Queda do Homem. Mas a questão é que queremos o que é prático, no sentido de que queremos fazer algo, criar famílias cristãs. Mas eles só querem o que é prático, no sentido do que é mais fácil no momento.

Assim, de acordo com a teoria geral do casamento, a paixão é purificada por sua própria frutificação, quando esta frutificação é o seu dignificante e decente objetivo final. Em poucas palavras, podemos dizer que substituiríamos a meia-verdade do “amor pelo amor”, por uma verdade superior do “amor pela vida”. O amor é sujeito à leis porque é sujeito à vida. É verdade, não só metafisicamente, nem mesmo simplesmente num sentido místico, mas num sentido material, que podemos ter vida e que a podemos ter mais abundantemente. Isso não quer dizer, claro, que o amor não tenha seu próprio valor espiritual, quando honoráveis acidentes o impedem de ser frutífero. Mas isso não significa que, em geral, possamos julgar os amores dos homens por outra metáfora mística que é também um fato material e por seus frutos os conheceremos.

Tal princípio é, ou era até recentemente, compartilhado por todos os que se dizem cristãos. Há um apêndice a este princípio que é professado por todos os que se dizem católicos. É uma idéia mais mística; e talvez somente os católicos se esforçaram em defini-lo racional e filosoficamente. Não é verdade, contudo, que somente católicos já o sentiram. Os antigos pagãos já o sentiram sutilmente em suas visões de Atenas, Ártemis e das Virgens Vestais. Os agnósticos modernos o sentem debilmente em sua adoração pela inocência infantil – em Peter Pan ou no Child’s Garden of Verses. Essa idéia é a de que há, para alguns, uma felicidade ainda mais divina que a do divino sacramento do matrimônio. Este é um assunto muito especial e muito grande para ser tratado aqui; mas dois fatos deveras singulares devem, sobre ele, ser notados. Primeiramente, que os estados industriais modernos estão invocando o pesadelo da super-população, depois de terem, eles próprios destruído as irmandades monásticas que foram uma limitação voluntária e viril a esse pesadelo. Em outras palavras, eles estão, muito relutantemente, recorrendo ao controle de natalidade, depois de realmente suprimirem a prova de que os homens são capazes de auto-controle. Em segundo lugar, se tal abstenção fosse realmente exigida, essa tradição religiosa poderia dar a ela um entusiasmo positivo e poético, onde todas as outras fariam dela apenas uma mutilação negativa. Os católicos acreditam na razão e gostam de ver as coisas práticas provadas; e, atualmente, a necessidade não está provada; somente mencionada como se tivesse, como se comentassem a respeito de Darwin e Einstein. Mas, mesmo se ela estivesse provada, os católicos teriam uma resposta muito melhor do que a dos outros: as trombetas de São Francisco e São Domingos. E os bons protestantes irão finalmente concordar que a resposta é melhor do que a alternativa de um tipo de anarquia secreta e silenciosa, na qual os motivos são estreitos e os resultados nulos. E por este caminho, voltamos ao tema original do casamento ideal; e à verdade principal sobre ele. Uma coisa tão humana não irá, finalmente, desaparecer por entre acidentes de uma sociedade anormal. Essa sociedade nunca será capaz de julgar o casamento. O casamento julgará essa sociedade; e pode possivelmente condená-la.