sábado, 15 de maio de 2010

A Infalibilidade da Igreja

Paulo VI lamentou as ambigüidades que surgiram na Igreja, após o Concílio, perturbando a consciência de muitos fiéis e extenuando o vigor da Fé.
Podemos ver nessa constatação um efeito da "fumaça de Satanás", que poluiu os ambientes eclesiásticos, e um dos meios de autodemolição da Igreja, ou seja, de uma destruição por elementos que nEla se encontram instalados.
Uma das maneiras de alimentar as ambigüidades nefastas entre os fiéis é a imprecisão com que se exprimem hoje, certos dogmas da Fé. Ora diminuindo-os o vigor, ora exagerando-os, ora conceituando-os em termos elásticos, a conseqüência é sempre o desassossego causado pela insegurança doutrinária.
Entre os dogmas, cuja imprecisão na terminologia maior confusão e intranqüilidade causa, está o da Infalibilidade Pontifícia. Alguns o ampliam, atribuindo inerrância a qualquer pronunciamento do Papa, chegando alguns a confundir infalibilidade com impecabilidade, como se o Romano Pontífice, pelo fato de ser Papa, fosse incapaz de falhar na prática da virtude cristã. Outros há que restringem em demasia o âmbito da infalibilidade, questionando até verdades já definidas por todo o sempre, como acontece com vários pontos do ensinamento católico fixado pelo Concílio de Trento.

A Infalibilidade:

Na locução de 18 de setembro de 1968, por ocasião da audiência geral de Castelgandolfo, Paulo VI insistia sobre o cuidado em procurar a informação exata e completa. Tal recomendação aplica-se também às definições da Santa Igreja. É indispensável conhecer todo o alcance do ensinamento do Magistério, dentro, porém, sempre do âmbito delimitado pelo mesmo Magistério.
Semelhante cuidado se impõe também quando se trata da infalibilidade pontifícia. - É exato que o Papa é sempre infalível?
O texto do dogma da infalibilidade impõe certas condições. Ei-lo na sua clareza e precisão: "O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho de sua função de Pastor e Doutor de todos os cristãos, define, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, que uma doutrina concernente à Fé ou aos Costumes, deve ser aceita por toda a Igreja, goza, graças à assistência divina, a ele prometida na pessoa de São Pedro, daquela infalibilidade da qual quis o Divino Redentor fosse dotada a sua Igreja ao definir uma doutrina sobre a Fé ou os Costumes; assim, tais definições são por si mesmas irreformáveis, e não pelo consentimento da Igreja".

Magistério extraordinário:

Semelhantes atos pontifícios constituem a expressão do seu "Magistério extraordinário" (ou solene), isto é, de sua Autoridade docente de Príncipe dos Apóstolos, excepcionalmente afirmada sobre toda a Igreja, dentro das condições de sua estrita competência, com termos de uma precisão canônica, impondo-se à consciência católica e excluindo toda possibilidade de ulterior mudança.

O modo de definir:

A garantia de autenticidade destes atos solenes não reside no luxo do aparato exterior. Para uma definição, o Papa poderia utilizar igualmente uma Encíclica, uma Rádio-mensagem, como um Breve ou uma Constituição Apostólica. Ele permanece livre de escolher o modo de expressão que julgar mais oportuno.
Porquanto, basta - mas é absolutamente necessário - que o Papa proceda conforme as condições requeridas, dogmaticamente definidas, para que um ato "ex cathedra" tenha sua existência objetivamente comprovada como infalível, sem lugar a dúvidas.
"Como o uso constante da Igreja e dos Soberanos Pontífices consagra certas fórmulas, para assinalar sem possibilidade de dúvida, a toda a Cristandade, o julgamento supremo definitivo [...], segue-se que, se o Papa negligencia tais fórmulas e não exprime claramente que, apesar desta omissão, entende ele e deseja definir como juiz supremo da Fé, deve-se pensar que não exprimiu seu julgamento como infalível" (Gregório XVI - Il trionfo della Santa Sede, Veneza, 1838).
"De si e não pelo consentimento da Igreja" - É preciso evitar o pensamento de que o carisma da infalibilidade é totalmente independente da Igreja. Pessoal embora, e possuindo um valor independente do consentimento da Igreja, não está ele desvinculado da Igreja, uma vez que o Romano Pontífice o possui precisamente enquanto chefe da Igreja e na sua função de doutor e pastor dessa Igreja. Recusando-se a ver no consentimento da Igreja, a fonte da infalibilidade pontifícia, o Concílio do Vaticano, absolutamente não quis dizer que o papa - aliás, órgão da Tradição - deveria no exercício do seu Magistério infalível prescindir do contato estreito com o sensus Ecclesiae (R. Augert, Va. I, col. Histg. Des Concilles, Docum. n.º 12, Paris, 1964, pp. 292-298).

Magistério Ordinário:

Além do Magistério extraordinário, solene, exerce o Papa um Magistério ordinário. Sem dúvida, distintos, seria erro grave opor Magistério solene e ordinário, segundo as categorias muito simplistas de infalível e falível, uma vez que, seja qual for a via pela qual nos chega a Doutrina, esta é sempre infalivelmente verdadeira, quando certamente ensinada pela Igreja inteira, ou somente pelo seu Chefe. Contudo, enquanto no Magistério solene a garantia pode nos ser dada pelo julgamento de um só, tomado à parte, no ensinamento ordinário ela só pode provir de uma continuidade e de um conjunto. Fora dos julgamentos solenes, a autoridade das diversas expressões do ensinamento pontifício comporta degraus e matizes. Todos, não obstante, se integram autenticamente nessa Tradição contínua e sempre viva, cujo conteúdo não poderia estar sujeito a erro sem que periclitassem as promessas de Jesus Cristo, e a própria economia da instituição da Igreja.

O Magistério e a Tradição:

Assim, o critério para se avaliar um ensinamento isolado, é relacioná-lo com o ensinamento, continuado através dos séculos, verificado em toda a Igreja.
Continuidade. - Ensina Pio XII: "Desde os tempos mais remotos, encontram-se diversos testemunhos, índices ou vestígios que manifestam a Fé comum da Igreja no decurso dos séculos" (Const. Apost. Magnificentissimus, A.A.S. 42, 1950, p. 757). A mesma conclusão emerge do costume habitual dos Papas, pois, percorrendo as Atas dos Pontífices Romanos, pode-se perceber o cuidado que tiveram eles em citar, a propósito de cada problema, as decisões de seus predecessores e de se situar, através de suas múltiplas referências, no conjunto da Tradição.
Vale dizer que eles quiseram, assim sublinhar uma fidelidade pastoral e doutrinária, da qual depende o valor da inerrância do julgamento presente, proceda ele do Magistério solene ou do ordinário.
Com efeito, o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de São Pedro para lhes permitir publicar uma doutrina nova, sob sua inspiração; mas, para guardar de modo estrito, e expor fielmente com sua assistência, a revelação transmitida pelos Apóstolos, isto é, o Depósito da Fé. São Vicente de Lerins resumiu muito bem o critério na matéria: "Na Igreja Católica deve-se ter o máximo empenho em professar aquilo que, em todo o lugar, sempre e por todos foi crido" ("Commonitorium, 2,5", in Kirch, "Enchiridion Fontium Historiae Ecclesiasticae Antiquae", 742).
Fora deste conjunto e desta continuidade, que são os dois aspectos da Tradição, e fora da assistência divina prometida ao Magistério, agindo em sua ordem e de acordo com o costume, não há espécie alguma de garantia formal, para o exercício correto do cargo supremo na Igreja, e, portanto, nenhum dever de obediência incondicional. Assim, é necessário, portanto, para nossa salvação, que a virtude da obediência comporte esforços de discernimento, que sejam a contrapartida meritória do Dom do Conselho.

Alguns exemplos históricos:

Bem examinada a definição da infalibilidade, proclamada no I Concílio do Vaticano, vê-se que o exercício do magistério pessoal infalível, considerando-se seu campo e suas condições, não atinge todos os atos pontifícios, como também se evidencia que não será preciso crer que a infalibilidade abarca todos os domínios da atividade pontifícia. É isso de tal modo verdadeiro, que os teólogos estudam o caso de um Papa escandaloso, de um Papa herético, de um Papa cismático... Resulta, aliás, que os casos nos quais a infalibilidade pessoal do papa está engajada são marcadamente raros. Por exemplo: quanto ao Concílio Vaticano II, Paulo VI, formalmente, excluiu-o do magistério infalível. Eis suas palavras: "Dado seu caráter pastoral, o concílio evitou pronunciar, de maneira extraordinária, dogmas dotados de nota da infalibilidade".

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