segunda-feira, 24 de maio de 2010

Satanismo, Possessão, Infestação – Parte I

“Uma jovem professora de Avignon (França), que dava sinais de possessão demoníaca, foi conduzida, por ordem do Bispo, ao Cura d’Ars. Ia acompanhada de um vigário e da Superiora das Franciscanas de Orange. Chegaram a Ars em 27 de dezembro de 1857. No dia seguinte, fizeram-na entrar na sacristia, no momento em que o santo Cura revestia-se para celebrar a Missa. Em seguida a possessa se pôs a gritar, procurando fugir:

“- Tem gente demais aqui! – exclamava.
“- Tem gente demais, – acrescentou o Cura – pois bem, saiam todos!
“E, a um sinal de sua mão, ficou só, frente a frente com Satanás. No início, apenas ouviu-se dentro da igreja um ruído confuso e violento. Logo o tom se elevou ainda mais. O vigário de Avignon, vigilante junto à porta, pôde captar o seguinte diálogo:
“- Queres sair a todo custo? -- dizia o Padre Vianney.
“- Sim!
“- E por quê?
“- Porque estou com um homem que não quero!
“- Não me queres então? -- perguntou o Cura com tom irônico.
“- Não! - gritou o espírito infernal. E este não! foi proferido em tom estridente e furioso.
“Quase em seguida, a porta tornou a abrir-se. Todos puderam ver a jovem professora chorando de alegria .... E voltando-se para o Padre Vianney, disse-lhe:
“- Tenho medo que ele volte!
“- Não, minha filha -- respondeu-lhe o santo homem --, ou não tão breve.
“A jovem pôde retomar suas funções de educadora na cidade de Orange. E ele não retornou”.
Eis aí um, dentre tantos fatos históricos que comprovam experimentalmente a existência do demônio e sua ação característica na alma e no corpo de uma possessa, descrito por Mons. Cristiani, conhecido autor francês, em sua obra Presença de Satan no mundo moderno.

O renomado teólogo francês Ad Tanquerey, em sua conhecida obra Compêndio de Teologia Ascética e Mística assim descreve a ação do demônio sobre os homens: “Cioso de imitar a ação divina na alma dos Santos, esforça-se o demônio por exercer também o seu império ou antes a sua tirania sobre os homens. Às vezes assedia, por assim dizer, a alma por fora, suscitando-lhe horríveis tentações; outras vezes instala-se no corpo e move-o a seu talante, como se fosse senhor dele, a fim de lançar a perturbação na alma. No primeiro caso temos a obsessão, no segundo a possessão”.

Assim, enquanto mediante a obsessão o demônio atua externamente suscitando no homem tentações, grandes ou pequenas, mas sempre perigosas, pela possessão ele instala-se no corpo deste para perturbar a alma.
Eis a explicação, apresentada por Mons. Cristiani em sua referida obra, sobre a natureza e a causa da possessão:

“Não existe talvez fato mais extraordinário que o da possessão diabólica. Que tal fato existe é o que demonstram muitíssimas experiências. Sem dúvida, houve possessos desde muito tempo antes da vinda de Jesus Cristo à Terra. Houve possessos em torno dEle, como o Evangelho no-lo mostra. Na Igreja primitiva, foram inúmeros os casos, e a instituição da ordem dos exorcistas, entre os membros do clero, é uma boa prova disso. ....
“A teologia católica, baseada sobre os fatos de possessão demoníaca, tomou posição tão decidida a respeito deste problema, que chegou a elaborar uma teoria completa sobre o assunto. Assim, o Ritual Romano, livro oficial do cerimonial eclesiástico, explica os sinais pelos quais se conhece a autêntica possessão e dá os remédios necessários para combatê-la: os exorcismos”.
O mesmo autor afirma, no que concerne à possessão e suas causas, que não podemos escolher guia mais seguro e mais preciso que a obra de Mons. Saudreau, L’état mystique... et les faits extraordinaires de la vie spirituel (Paris, Amat, 2ª ed., 1921).

Natureza de um fenômeno estranho: a possessão

“Segundo Mons. Saudreau, a possessão nunca chega até a animação. Isto quer dizer que o demônio não substitui a alma do possesso, não dá vida ao corpo, mas, sem que saibamos como, apodera-se desse corpo, faz sua morada nele, quer seja no cérebro, quer nas entranhas, porém, em todo caso, no sistema nervoso. Não tira à alma, portanto, seu domínio normal sobre o corpo e sobre os membros; imprime às faces do rosto uma expressão desconhecida e que corresponde à ação do demônio.
“O demônio não está sempre presente no possesso. Entra nele quando quer. Provoca nele ataques. Um possesso poderá até ser liberado momentaneamente pelos exorcismos, e depois torna-se novamente presa do demônio. Em seu estado normal, o possesso é como todo mundo...
“Por outro lado, os demônios não atuam todos da mesma maneira, porque estão longe de ser totalmente iguais. Acreditava-se, não sem razão, que todos os deuses do paganismo eram demônios”. “Omnes dii gentium, daemonia”, diz a Escritura(Salmos 95, 5).

Múltiplas causas da possessão: o sortilégio ou bruxaria

“O bom senso popular colocaria na primeira fila das causas da possessão as faltas cometidas pelo possesso. Não é assim em absoluto. As causas de possessão são, na verdade, muito variáveis. ....
“Se os demônios fizessem livremente seus estragos entre os homens, a humanidade estaria transtornada, não seríamos mais donos de nossos destinos, a obra de Deus entre nós estaria desviada de seu objetivo. O fato é, em si, inconcebível e, por mais poderosos que sejam os demônios, a verdade é que ‘esses cães estão acorrentados’....
“Os demônios não atuam entre nós senão na medida em que obtêm -- como está escrito no Livro de Jó -- a permissão de Deus, soberano Senhor. O caso do mesmo Jó, submetido às infestações de Satanás, é uma boa prova de que não são as faltas da vítima que explicam suas penas.
“Por vezes, pode haver culpa do possesso, como reconhece Mons. Saudreau: ‘Uma pessoa ficou possessa em conseqüência de uma oração a Mercúrio, feita por ela, a conselho de uma velha curandeira’.
“Em muitos casos pareceria que a origem da possessão teria sido um malefício. É o que o público denomina mais correntemente uma bruxaria. Mons. Saudreau é categórico neste ponto: ‘uma das causas mais freqüentes das vexações diabólicas é o malefício’. E esclarece: ‘os malefícios são os sacramentos do demônio’”.
“Pareceria que o demônio, depois de ter estabelecido seu ritual próprio para o lançamento de sortilégios, se vê obrigado a atuar quando o bruxo observa as formas que ele prescreveu.... Porém os malefícios não têm todos a mesma eficácia.
“No século XVII, em processo célebre, descobriu-se que os malefícios tinham por base assassinatos de crianças, pecados contra a natureza e missas sacrílegas”.
“A possessão pode ser e é seguramente, às vezes, uma prova permitida por Deus, como no caso do santo homem Jó ou no do Cura d’Ars; sem que tenha havido falta por parte do infestado ou do possesso e sem que haja ocorrido malefício.
“Em suma, os casos de possessão são casos extremos de um fato imenso que se estende por todo o universo espiritual: a luta do bem contra o mal, da Cidade de Deus contra a Cidade de Satanás”.

Como combater a possessão

O autor francês refere-se a seguir ao exorcismo como o meio de combater a possessão:
Como dissemos, o remédio que Deus quis para a possessão é o que chamamos exorcismo, que significa conjuro. Porém, existem regras muito precisas para praticar o exorcismo.
“Se a pessoa manifesta em si a presença de uma inteligência diferente da sua, existe possessão e não enfermidade. O Ritual Romano traz precisões sobre este ponto essencial. E acrescenta: ‘Os demônios suscitam todos os obstáculos que podem impedir que o paciente seja submetido a exorcismos’”.

O cânon 1172 do Código de Direito Canônico contém disposições concernentes aos exorcismos.
O demônio no Antigo e no Novo Testamento
O demônio é mencionado freqüentemente no Antigo Testamento, por exemplo, no Livro de Isaías: “Como caíste do céu, ó astro brilhante, que, ao nascer do dia, brilhavas?” (Is 14, 12).
O Apocalipse -- o último livro do Novo Testamento, escrito pelo Apóstolo São João Evangelista -- assim descreve a queda de Lúcifer e dos anjos rebeldes:
“E houve no Céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejavam contra ele; porém, estes não prevaleceram; e o seu lugar não se achou mais no Céu. E foi precipitado aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama o Demônio e Satanás, que seduz todo o mundo; e foi precipitado na terra, e foram precipitados com ele os seus anjos” (Apoc. 12, 7-9).
Incapazes de amor, os demônios encontram-se ligados pelo ódio mútuo e ódio a todas as coisas. Por isso, tramaram também a perdição do gênero humano.
“Satanás, invisível agente pessoal, inimigo do homem, que o conduz à perdição, afastando-o de Deus”.

Adão e Eva cederam à tentação diabólica

“Sereis como deuses conhecendo o bem e o mal”(Gn 3, 5). Esta foi a frase que a astuta serpente disse a Eva. E, assim, Adão e Eva se deixaram seduzir.
A propósito, observa o renomado escritor e polemista francês Mons. Henri Delassus: “Desde a criação do gênero humano, o homem se extraviou. Em vez de crer na palavra de Deus, e de obedecer à sua ordem, Adão escutou a voz sedutora que lhe dizia para colocar o seu fim em si mesmo, na satisfação de sua sensualidade, nas ambições do seu orgulho”.
Diz piedosa tradição que Adão e Eva fizeram penitência numa caverna do monte Calvário, que tem esse nome porque ali foi descoberta a caveira do primeiro homem (cfr. Lc 23, 33). Realmente, debaixo do Calvário e ocupando o mesmo espaço do Gólgota, hoje encontra-se a capela de Adão, na qual estiveram também, até 1808, os sepulcros de Godofredo de Bouillon, que conquistou a Cidade Santa, e de seu irmão Balduíno, primeiro rei católico de Jerusalém.
“Por sua vida penitente, Adão e Eva são considerados santos e sua festa celebra-se a 19 de dezembro. Dois de seus filhos, Caim e Abel, constituem o primeiro exemplo de divisão do gênero humano: Abel é o exemplo dos fiéis que caminham para o Bem, e Caim, dos que caminham para o Mal”.

Os demônios conspiram contra o homem porque não podem tolerar que ele tenha sido redimido pelo Verbo Divino que se encarnou no seio puríssimo de Maria, unindo-se à natureza humana.
O pecado original foi uma vitória de Satanás sobre o homem. Mas a Redenção foi a vitória de Jesus Cristo sobre Satanás. Assim, Deus não consentiu que o demônio arrastasse todos os homens para o seu reino.

Pode-se falar num Império de Satanás?

Não se pode pôr em dúvida, entretanto, que Satanás tenha o seu Império, considerando-se o termo latino imperium no seu significado político-jurídico: “Imperium é o vocábulo empregado, em amplo sentido, para significar o supremo poder, ou a suprema autoridade, conferida a certas instituições ou a certas pessoas. Indica, assim, o próprio poder conferido ao imperador, em virtude do qual exerce sua autoridade soberana em todo território onde se situam ou limitam os domínios imperiais, em relação a todas as coisas ou a todas as pessoas”.
Ora, Satanás manda nos diabos e nos homens que a ele se entregam pelo pecado. Ensina Nosso Senhor que “todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8, 34). E o Império de Satanás possui seu território, seu âmbito de competência e sua área de jurisdição. Tem sua metrópole e suas colônias. A metrópole é o Inferno, mas, pelo menos em potência, seu área de expansão colonial abarca toda a Terra habitável.

Em geral, fora do Inferno, à primeira vista não parece que Satanás exerça verdadeiro império sobre um território, mas apenas sobre pessoas. No entanto, se atentarmos bem ao que acontece, verificaremos que, embora de forma temporária e não permanente, há nações que se comportam, durante longos períodos de tempo, como verdadeiras colônias do Império infernal, tal é a dominação que ele exerce sobre o povo no seu conjunto. Em outros lugares, não possui Satanás debaixo de suas ordens senão minorias nacionais dispersas, mais numerosas ou menos; mas há nações em que as maiorias e os governos vivem como que subjugados por ele.
Exemplo frisante disso foi a extinta e desditosa U.R.S.S. A respeito do regime que nela imperava, Mons. André Sheptyskyj, Arcebispo de Lvov e líder da Igreja Católica na Ucrânia durante as perseguições de Lênin e Stalin, escreveu à Santa Sé uma carta, na qual figura uma frase bastante significativa: “Este regime só pode se explicar como um caso de possessão diabólica coletiva”. E pediu ao Papa Pio XI que sugerisse a todos os sacerdotes e religiosos do mundo que “exorcizassem a Rússia soviética”. O Prelado ucraniano faleceu em 1944, estando atualmente em andamento seu processo de beatificação.
A questão levantada pelo Arcebispo ucraniano não se colocaria hoje, talvez até com mais razão, em alguns lugares do mundo, uma vez que o processo revolucionário multissecular de destruição da civilização cristã não fez senão acentuar-se intensamente desde então? Assim, não estaríamos assistindo, em escala crescente, a um fenômeno de possessão coletiva, ao menos em largas esferas do mundo atual?

Questão ainda mais delicada: pode o demônio insinuar-se dentro da própria Igreja de Jesus Cristo, em certos períodos de grande provação e pecado? Para responder com segurança a tal pergunta seria preciso que teólogos – autênticos teólogos de ortodoxia ilibada – o estudassem com cuidado e se pronunciassem a respeito. Mas a pergunta não pode deixar de ser levantada tendo em vista o memorável pronunciamento de Paulo VI sobre as calamidades na fase pós-conciliar da Igreja, feito em 29 de junho de 1972, na Alocução "Resistite fortes in fide", que citamos aqui na versão da Poliglotta Vaticano:

O Pontífice, "referindo-se à situação da Igreja de hoje, afirmou ter a sensação de que `por alguma fissura tenha entrado a fumaça de Satanás no templo de Deus'. Há a dúvida, a incerteza, o complexo dos problemas, a inquietação, a insatisfação, a confrontação. Não se confia mais na Igreja; confia-se no primeiro profeta profano que nos venha falar, por meio de algum jornal ou movimento social, a fim de correr atrás dele e perguntar-lhe se tem a fórmula da verdadeira vida. E não nos damos conta de que já a possuímos e somos mestres dela. Entrou a dúvida em nossas consciências, e entrou por janelas que deviam estar abertas à luz. .... Também na Igreja reina este estado de incerteza. Acreditava-se que, depois do Concílio, viria um dia ensolarado para a História da Igreja. Veio, pelo contrário, um dia cheio de nuvens, de tempestade, de escuridão, de indagação, de incerteza. Pregamos o ecumenismo, e nos afastamos sempre mais uns dos outros. Procuramos cavar abismos em vez de enchê-los. Como sucedeu isto? O Papa confia aos presentes um pensamento seu: o de que tenha havido a intervenção de um poder adverso. Seu nome é o diabo, este misterioso ser ao qual também alude São Pedro em sua Epístola".

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